quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Ideias abstratas no USPTO


Em uma pesquisa sobre as decisões do PTAB de junho de 2014 a junho de 2015 após a decisão da Suprema Corte em Alice foram identificados 140 recursos que mencionam o caso Alice e a seção 101 do USC sobre patenteabilidade, o que representa 3% do total de recursos julgados. Em 69 dos casos o PTAB indica aos examinadores que façam uma revisão das reivindicações para avaliar sua adequação a seção 101 como matéria não patenteável por se enquadrar como ideia abstrata. Somente em 9 casos o PTAB reverteu a rejeição do examinador por ideia abstrata. Os examinadores do USPTO rejeitaram 57 destes pedidos por violar a seção 101 sendo que em 45 casos o PTAB confirmou esta rejeição das reivindicações por se enquadrar como ideia abstrata. Do total de 140 recursos cerca de um terço refere-se a métodos financeiros e outros 40% refere-se a métodos implementados por software.  Das nove decisões revertidas estas se referiram a matérias que o USOTO inicialmente enquadrou como regra de jogo (o método define características estruturais específicas), método de simulação de um jogo de futebol (o método usa um tabuleiro e cartões específicos), um pijama que informa quando está o bebê dormindo (o método comunica a posição do bebê), sensor para avaliar a condição de saúde de um paciente (segundo o 2014 Interim Guidance on Patent Subject Matter Eligibility, 79 Fed Reg. 74618 de 16 de dezembro de 2014 o software per se não se enquadra como categoria patenteável pela seção 101, porém neste caso as reivindicações descrevem na forma de meios mais funções uma máquina), sistema de processamento de sinais (a reivindicação não descreve um software puro – pure software), sistema de armazenamento em rede (sistema descreve meios de comunicação que não se enquadram como ideia abstrata), sistema de gerenciamento de recursos (o técnico no assunto entende que os ditos recursos de computação incluem elementos de hardware).[1]
 
 



[1] MAZOUR, Eli; BENNIN, James. PTAB Wonderland: Statistics show Alice PTAB interpretation not favorable to patent applicants, 27/09/2015  http://www.ipwatchdog.com/2015/09/27/ptab-wonderland-statistics-alice-ptab-interpretation/id=61902/

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Enantiômeros


Para Mark Lemley a doutrina de unexpected result que considera inventivas as invenções que produzam resultados não esperados e a doutrina de obvious to try pelo qual tentativas consideradas com uma boa margem de sucesso seriam uma evidência de não inventividade são duas doutrinas que podem entrar em conflito, pois ocorrer o caso de algo que seja óbvio de se tentar produzir resultados inesperados, o que é comum nas indústrias químicas e farmacêuticas, onde o técnico no assunto é motivado a tentar modificações padrão, mas que devido a imprevisibilidade dos resultados podem levar a efeitos surpreendentes. Para Mark Lemley o praticante de procedimentos considerados normais na ciência caso levem a efeitos surpreendentes não podem ser protegidos por patentes. [1] A doutrina de unexpected results foi tratada pela Suprema Corte em United States v. Adams[2]  em que os elementos de uma bateria os quais se acredita que pudessem até mesmo explodir se combinados, foram combinados na patente, quando a técnica orientava o técnico no assunto a não fazê-lo. O resultado foi considerado surpreendente para o técnico no assunto. O caso envolve a doutrina de unexpected results com a de teaching away, o que reforçou a conclusão de atividade inventiva. Por outro lado, a tentativa óbvia de testar algumas soluções com razoável expectativa de sucesso não é considerada inventiva. Em KSR v. Teleflex em 2007 a Suprema Corte rejeitou as soluções óbvias de serem tentadas como inventivas, especialmente quando há um número limitado previsível de soluções a serem testadas.

Em Hoffmann La Roche v. Apotex[3] o Federal Circuit considerou óbvio de se tentar a dosagem de 150 mg de medicamento uma única vez em um mês quando o estado da técnica aplicava a dosagem de 5mg diários e um outro documento mencionava o conceito de “dose total”. Quando a dosagem mensal foi testada observou-se dum aumento surpreendente da biodisponibilidade do medicamento muito acima do que seria previsto por uma projeção linear ao longo dos 30 dias. Mesmo com tal unexpected effect a Corte concluiu que se tratava de uma dosagem óbvia de ser tentada e, portanto, não inventiva, uma vez que havia razoável expectativa de sucesso muito embora não um sucesso tão surpreendente. Nesta análise não importa as motivações do inventor, mas quais teriam sido as motivações do técnico no assunto. Para Mark Lemley esta decisão “se trata de uma declaração clara do Federal Circuit de que o conceito de obvious to try combinado com uma razoável expectativa de sucesso supera a natureza surpreendente dos resultados alcançados”. Em Aventis Pharma v. King Pharms[4] a patente tratava de estereoisômeros. A Corte conclui uma vez que óbvio identificar o isômero ativo em uma mistura, o fato de que este isômero tem propriedade surpreendentes em si não é relevante, porque tais propriedades já fazem parte da mistura conhecida.

Em outros casos em que existem múltiplas escolhas para se tentar o Federal Circuit tem entendido que a existência de efeitos surpreendentes é uma evidência de atividade inventiva, desta forma, nestas situações, o argumento de obvious to try tem sido rejeitado. Em Sanofi v. Apotex[5] a Corte conclui que um isômero dextrorotatório não era óbvio á luz de uma mistura racêmica conhecida. Embora a literatura indique pelo menos dez técnicas de separação que poderiam ser tentadas a abordagem usada pela Sanofi exigiu cinco meses de experimentação na busca de uma combinação de reagentes favorável com resultados surpreendentes. Neste caso independente de ser óbvio de ser tentado, a ampla faixa de possíveis resultados e a relativa pouca probabilidade de que o composto resultante exibisse tais características diferenciadas e ausência de toxidade torna a solução encontrada não óbvia. Para Mark Lemley nos casos em que as tentativas de soluções óbvias de se tentar levem a um efeito adicionado (added effect), conceito similar ao conceito de efeito bônus na EPO, nestes casos tais soluções continuam sendo óbvias, tal efeito inesperado não deve ter o condão de tornar a solução inventiva, sob pena do sistema de patente não estar protegendo de fato uma invenção mas estendendo a proteção a patentes existentes (evergreening) que o leva a negar patentes para enantiômeros (a prática de se patentear inicialmente um racemato e posteriormente um enantiômero, por exemplo) ou invenções na área de biotecnologia que sejam óbvias de se tentar independente do fato de gerarem efeitos surpreendentes.
 





[1] LEMLEY, Mark. Expecting the unexpected. 28/09/2015 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2666626


[2] 383 US 39 (1966)


[3] 748 F.3d 1326 (Fed. Cir. 2014)


[4] 499 F. 3d 1293 (Fed. Cir 2007)


[5] 550 F.3d 1075 (Fed. Cir. 2008)

Um técnico no assunto para cada país


Segundo a diretriz de Exame Módulo 2 item 5.10.13 “O técnico no assunto não deve ser considerado como um mero autômato motivado apenas pelo conteúdo revelado nos documentos, mas como uma pessoa dotada de um mínimo de criatividade e discernimento”. Na Diretriz de exame módulo 1 item 2.14 “A definição de técnico no assunto é abrangente. O técnico no assunto pode ser aquele com conhecimento mediano da técnica em questão à época do depósito do pedido, com nível técnico-científico, e/ou aquele com conhecimento prático operacional do objeto. Considera-se que o mesmo teve à disposição os meios e a capacidade para trabalho e experimentação rotineiros, usuais ao campo técnico em questão. Pode haver casos onde seja mais apropriado pensar em termos de um grupo de pessoas, como no caso de uma equipe de produção ou pesquisa. Isto pode se aplicar, particularmente, em certas tecnologias avançadas tais como computadores e nanotecnologia”. Como a LPI utiliza na definição da suficiência descritiva (artigo 24 - O relatório deverá descrever clara e suficientemente o objeto, de modo a possibilitar sua realização por técnico no assunto e indicar, quando for o caso, a melhor forma de execução) o mesmo conceito termo para o técnico no assunto do que na avaliação de atividade inventiva (artigo 13 - A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica) presume-se que se trate do mesmo técnico no assunto com os mesmos conhecimentos nos dois casos, caso contrário a lei teria feito uma diferenciação.

Para Paul Mathély[1] o técnico no assunto “o homem do métier (o técnico) é um homem médio. Não se trata de um ignorante, porque ele conhece seu trabalho, e possui aptidão para exercê-lo; não é dotado de superioridade e de imaginação. Ele sabe bem executar; mas ele não pode criar. O técnico no assunto é um homem comum”. Michel Vivant destaca decisão do Tribunal Grande Instance de Paris de 1987 que tendeu que o técnico no assunto de um brinquedo de automóvel à corda inclui o fabricante de brinquedos com conhecimentos gerais em mecânica como em molas e mecanismos à corda[2]. Em outro julgado sobre um dispositivo de abertura de tanques mecânicos usados na indústria de curtume, o Tribunal de Grande Instance entendeu que o técnico no assunto não deveria ser alguém que trabalhasse em curtumes mas o especialista na fabricação de tanques do mesmo tipo.[3] François Panel observa que não há nenhuma razão para conferir uma definição de técnico no assunto para aferir a suficiência descritiva que seja diferente do técnico no assunto para avaliar atiidade inventiva. [4] Na Inglaterra em Warner-Lambert Company, Actavis UK Limited e outros [2015] EWHC 2548 (Pat) [5] a discutir a territorialidade do concento de conhecimento geral comum do técnico no assunto, ou seja, este conhecimento pode variar de país para país de modo que o ponto decisivo é se mostrar que o conhecimento geral comum em questão é algo do domínio do técnico no assunto da Inglaterra. Esta questão havia sido deixada em aberto em Teva UK Ltd v Merck & Co Inc [2009] EWHC 2952.[6]
Uma declaração elaborada em colaboração com 40 acadêmicos de 25 países e sob os auspícios do Instituto Max Planck observa a possibilidade dos estados membros da OMC adotarem como técnico no assunto para avaliação de atividade inventiva um especialista ou equipe de especialistas com extenso conhecimento na técnica, ao passo que para aferição de suficiência descritiva poderia-se tomar um engenheiro mediano o que conduziria a pedidos de patente mais bem detalhados e a um número menor de patentes concedidas. Os níveis de atividade inventiva e sufici^ncia descritiva poderiam variar entre os didfrentes setores tecnológicos[7]
 




[1] apud Requisitos básicos para a proteção das criações industriais, Jacques Labrunie, in. Criações Industriais, Segredos de Negócio e Concorrência Desleal, Manoel Joaquim Pereira dos Santos e Wilson Pinheiro Jabur (coord.), São Paulo: Saraiva, 2007, série GVLaw, p.118


[2] TGI Paris, 25 junho 1987, JCP, E 1988, 15143 § 9 cf. VIVANT, Michel. Le droit des brevets, Dalloz:Paris, 2005, p. 32; CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.56


[3] TGI Paris 27 maio de 1986, PIBD, 1986.III.355 cf. CHAVANNE, Albert; BURST, Jean-Jacques; Droit de la Propriété Industrielle, Précis Dalloz:Paris,1998, p.56


[4] PANEL, François. La protection des inventions en droit européen des brevets. Collection du CEIPI, Paris:Litec, 1977, p.112


[5] http://www.bailii.org/ew/cases/EWHC/Patents/2015/2548.html


[6] FREEHILLS, Herbert. The high court sets out a framework for dealing with enforcement of second medical use claims, 17/09/2015


[7] MAX Plank Institute. Declaration on patent protection, 2015, https://www.mpg.de/8132986/Patent-Declaration.pdf

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Patentes para método de tingir cabelos

Paulina Bem Ami lista métodos para tingir cabelos como igualmente destituídos de aplicação industrial uma vez que uma vez que a determinação exata do método estará condicionada as peculiaridades da pessoa em que o método é aplicado, tipo de cabelo, etc, não possuindo, portanto, o requisito de repetibilidade. Denis Barbosa também cita o tingimento de cabelo como não tendo aplicação industrial[1]. Contudo, caso tal método esteja destinado a tintura de cabelos de perucas, neste caso garante-se a homogeneidade e repetibilidade exigida para um método com aplicação industrial. Segundo Denis Barbosa um processo de afinação automática das cordas de um violino, durante um concerto, poderá em tese ser protegido, uma vez que dotado desta característica de repetibilidade.[2] Diversas decisões do INPI têm entendido de forma favorável à patentes para processos de tingimento de cabelos (PI9703093, PI9504381, PI9405500, PI8706770, PI8504795, PI7908958). Em PI0417658 a reivindicação 15 pleiteia: processo para tingir cabelos, no qual uma composição de tingimento como definida em uma das reivindicações 1 a 10 é aplicada sobre os cabelos e após um tempo de ação de 5 a 60 minutos a uma temperatura de 20 a 50ºC, o cabelo é enxaguado com água, eventualmente lavado com xampu e logo a seguir, secado. Embora o pedido tenha sido indeferido por falta de atividade inventiva não houve questionamento quanto à aplicação industrial. Qualquer método de caráter privado e pessoal não é suscetível de aplicação industrial. Quando a matéria pleiteada pode ser usada em caráter privado, mas também pode ser utilizada em estabelecimentos comerciais (salões de beleza, clínicas de estética) esse método é suscetível de aplicação industrial, uma vez que não apresenta uso exclusivo em caráter privado e pessoal. Portanto, tratamentos que não são aplicados exclusivamente em caráter privado e pessoal, como por exemplo tratamentos cosméticos, são suscetíveis de aplicação industrial. Na EPO a Câmara de Recursos em diversas decisões (T219/03 OJ 2005, T1177/09 OJ 2011, T2299/08 OJ 2011, T292/08 OJ 2010, T770/06 OJ 2008, T1782/06 OJ 2010, T635/06 OJ 2007) considerou uma patente de método de tingimento para cabelos, porém, em nenhum momento questionou sua aplicação industrial. 



[1] BARBOSA, Denis. Tratado da propriedade intelectual, patentes tomo II, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p. 1143
[2] BARBOSA, Denis. Utilidade Industrial: não há patente quanto aos atos que não ocorrem senão com intervenção humana, fevereiro 2015, http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/utilidade_industrial.pdf

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Fórmula Suíça na Inglaterra e Alemanha

A redação na dita fórmula Suíça ocorre tipicamente em reivindicações de segundo uso médico. Reivindicações do tipo: uso do composto X caracterizado por se tratar uma doença Y, não é passível de ser aceita por recair no processo de tratamento (método terapêutico) de um animal (ser humano ou não), uma vez que os métodos de tratamento estão incluídos como não invenção (inciso VII do artigo 10 da LPI). No caso de primeiro uso médico a EPO, pelo artigo 54(5) da EPC2000 permite a reivindicação da substância ou composição, ainda que esta seja conhecida do estado da técnica[1].

Para Denis Barbosa as reivindicações do tipo fórmula Suíça são compatíveis com a legislação brasileira[2]. Esta redação, originalmente proposta pelo escritório suíço de patentes em 1984, concede a patente ainda que o processo de fabricação e a substância ativa sejam conhecidos, estando a novidade na doença a ser tratada e foi adotada pela EPO na decisão[3] G5/83 do Enlarged Board of Appeal de 1985, na decisão Re Eisai Co Ltd: “uma patente européia pode ser concedida para reivindicações direcionadas para o uso de uma substância ou composição para a fabricação de um medicamento destinado a um novo e inventivo uso terapêutico específico”[4].

Logo em seguida a esta decisão da Corte Européia, um Tribunal da Inglaterra em in John Wyeth & Brother Ltd's Application / Schering AG's Application rejeitou a concessão de patentes na fórmula Suíça, por falta de novidade, ainda que o Patent Act nos Artigos 1(1), 4(2) e 2(6) reproduza textualmente as disposições da Convenção Européia de Patentes nos Artigos 52(1), 52(4) e 52(5)[5]. Em grau de recurso esta decisão foi revertida e as reivindicações na fórmula Suíça aceitas. Em 1999 em um litígio envolvendo o taxol, a questão foi novamente discutida e a Corte se posicionou favoravelmente à argumentação do Enlarged Boards of Appeal tendo em vista a coerência entre a EPO e o UKPTO[6]. William Cornish aponta esta mudança de posição da corte inglesa como casuística e aponta que este entendimento reduz bastante a relevância da exceção de métodos de tratamento do corpo humano ou anila ainda que a destituam de significado.[7] Assim por exemplo em Bristol Myers Squibb v. Baker Norton[8] entendeu como não patenteável a mera mudança de dosagens em tratamento conhecido.

Em maio de 2008 a England and Wales Court of Appeal em análise da patente EP724444 (o pedido equivalente PI9407824 teve desistência homologada em 1997), entendeu que reivindicações na fórmula suíça tem sido aceitas a longo tempo na Inglaterra. Tais reivindicações desviam de dois obstáculos de patenteabilidade: a exigência de novidade e a proibição de métodos de tratamento do corpo humano. Tais reivindicações são desnecessárias quando o produto é novo, uma vez que neste caso tal produto pode ser patenteado. Mas quando tal produto não é novo, a reivindicação em fórmula suíça confere novidade a patente sem que a reivindicação se configure como um método de tratamento[9]. Em 2010 em Grimme Maschinenfabrik v Derek Scot [2010] EWCA Civ 1110 a Corte conclui que terceiros podem ser acusados de infração indireta se fornecerem meios essenciais para implementação de uma invenção patenteada quando sabem ou é obvio que haverá um usuário final em contrafação direta. Em 2015 em Warner-Lambert Company v Actavis Group [2015] EWHC 72 (Pat)] a Corte entendeu que a venda de um medicamento genérico não constituía contrafação de uma patente de uma reivindicação na fórmula Suíça pois o farmacêutico ou atacadista não estaria usando este produto sendo vendido para fabricação de um medicamento. Por ser uma patente de processo seria necessário caracterizar uma contrafação direta segundo a seção 60(1)(c) do Patent Act de 1977 que prevê a contrafação nos casos de produto obtido diretamente por meio de processo patenteado, o que não estaria caracterizado. O fornecimento do medicamento para uso imediato não constitui infração indireta. O juiz sugere que os médicos ao prescreverem suas receitas indiquem o nome de marca quando indicado o medicamento para o uso patenteado, e indiquem o nome genérico do medicamento quando para indicações não patenteadas, evitando-se desta forma qualquer possibilidade de enquadramento em uma situação de contrafação.[10] 

Na Alemanha decisões da Corte de Dusseldorf em 2004[11] concluem que terceiro que comercializem um medicamento com a mesma indicação de uso em sua bula constitui uma infração direta da patente de uso. Em alguns casos a simples informação em material de propaganda não foi considerada suficiente para caracterizar esta contrafação direta. [12] Uma decisão de abril de 2015 da Corte de Hamburgo[13] concluem que as empresas de genéricos devem deixar claro que seus produtos não poderão ser comercializados para usos patenteados na reivindicação do tipo fórmula Suíça. A infração indireta está caracterizada se a substância como tal é oferecida ainda que a bula não indique o uso patenteado, uma vez que na situação em disputa era óbvio que os medicamentos fornecidos seriam utilizados nas indicações de tratamento de doenças patenteadas. O escopo de uma patente na fórmula Suíça é desta forma bastante amplo no entendimento da decisão em Hamburgo, mais amplo daquele encontrado na decisão em Dusseldorf.[14]



[1] Article 54(5) The provisions of paragraphs 1 to 4 [novidade] shall not exclude the patentability of any substance or composition, comprised in the state of the art, for use in a method referred to in Article 52, paragraph 4 [método terapêutico], provided that its use for any method referred to in that paragraph is not comprised in the state of the art.
[2] Usucapião de patentes e outros estudos de propriedade industrial, Denis Barbosa. Rio de Janeiro:Ed. Lumen Juris, 2006, p.713
[3] http://www.european-patent-office.org/dg3/g_dec/pdf/g830005.pdf The Enlarged Board considered that it was legitimate in principle to allow claims directed to the use of a substance or composition for the manufacture of a medicament for a specified new and inventive therapeutic application, even where the process of manufacture as such did not differ from known processes using the same active ingredient. CaseLaw of the Boards Of Appeal of the EPO, 2006, item 5.2.1 p.104
[4] A European patent may be granted with claims directed to the use of a substance or composition for the manufacture of a medicament for a specified new and inventive therapeutic application
[5] John Wyeth & Brother Ltd's Application Schering AG's Application [1985] RPC 545 (UK Pat Ct). em http://www.austlii.com/nz/journals/VUWLRev/2001/9.html#fn38
[6] http://www.austlii.com/nz/journals/VUWLRev/2001/9.html#fn38
[7] CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 224
[8] [2001] RPC 1 CA cf. CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 224
[9] Swiss form claims have been long accepted in the UK, see Wyeth [1985] RPC 545 and the "BMS" case, Bristol-Myers Squibb v Baker Norton [1999] RPC 253 at [44] (Jacob J at first instance) and [2001] RPC 1 Court of Appeal (at [37] per Aldous LJ and [80-81] per Buxton LJ). For convenience we here adapt Jacob J's explanation in BMS of the rationale of these. Such a claim steers clear of two obstacles to patentability, namely the requirement of novelty and the ban on methods of treatment of the human body by therapy. It follows a statement of practice regarding "use claims" issued by the Swiss Federal Intellectual Property Office, [1984] OJ EPO 581. The generalised form of such a claim is "the use of compound X in the manufacture of a medicament for a specified (and new) therapeutic use". Such claims are unnecessary when X is new, for then X can be patented in itself by virtue of the last sentence of Art.52(4). But when X is old, a Swiss form of claim confers novelty and yet is not a claim to a method of treatment. Actavis UK Limited v. Merck & Co Inc http://www.bailii.org/ew/cases/EWCA/Civ/2008/444.html
[10] ENGLAND, Paul; LUNZE, Anja. Infringement of second medical use patentes, fevereiro 2015 www.taylorwessing.com/synapse/february15.html
[11] Düsseldorf District Court, docket number 4a 0 12/03, 24 February 2004, GRUR-RR 2004, 193 – Ribavirin; Düsseldorf Court of Appeal, docket number 2 U 54/11, 31 January 2013 – Cistus Incanus; Düsseldorf District Court, docket number 4a O 145/12, 14 March 2013 – Chronic Hepatitis C
[12] Düsseldorf Court of Appeal, docket number 2 U 54/11, 31 January 2013 – Cistus Incanus; Düsseldorf District Court, docket number 4a O 145/12, 14 March 2013 – Chronic Hepatitis C.
[13] District Court Hamburg, decisions of 2 April 2015, docket numbers 327 O 67/15, 327 O 132/15, 327 O 140/15, 327 O 143/15 – Pregabalin.
[14] LUNGE, Anja. Infringement of second medical use patents – important developments in Germany, setembro 2015, http://united-kingdom.taylorwessing.com/synapse/ti-infringe2ndmed-ger-sep15.html

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Suficiência e efeito técnico

Para suficiência descritiva de uma patente não é necessário que a invenção detalhe os fundamentos teóricos da invenção no sentido de explicar o porque os efeitos técnicos citados são atingidos. 
A máquina de vapor foi patenteada por James Watt em 1769, porém, somente teve seu funcionamento, como máquina térmica, satisfatoriamente explicado a partir dos trabalhos de Carnot, quando em 1824 publicou sua obra: "Reflexões sobre a potência motriz do fogo" e isto não tornaria invalida a patente tal como originalmente concedida.[1] Segundo Carnot  o motor realiza o trabalho mecânico devida à queda de temperatura e não à perda de calor, de modo que “o calor nada mais é que uma força motriz, ou antes, uma força que mudou de forma”.[2] David Landes conclui: “a engenhosidade do homem como inovador e executante é quase inacreditável: observe-se a precedência da engenharia a vapor em relação à teoria termodinâmica”.[3] Ainda assim, Carnot baseou suas explicações na então em voga teoria do calórico.[4] Para Carnot a máquina a vapor girava sob o efeito da queda do calórico de uma temperatura quente (a cadeira) para fria (a atmosfera) tal como uma roda de moinho gira sob efeito da queda d’água de uma altura para outra.[5]
Joseph Montgolfier tomou conhecimento da descoberta do hidrogênio por Cavendish em 1766, um gás mais leve que o ar e acreditou que uma chama poderia liberar um gás similar que quando capturado em um balão poderia erguer o mesmo tendo em vista que o volume, sendo mais leve que o ar, tal como uma boia em um tanque de água, conforme o princípio de Arquimedes. Em novembro de 1783 Montgolfier fez uma exibição bem sucedida de sua invenção levando pela primeira vez duas pessoas para um passeio de balão. Apesar do êxito, sua teoria esta errada, o que sustentava o balão no ar não era nenhum novo tipo de gás, mas o ar quente.[6]
Embora as invenções do século XVIII com as máquinas atmosféricas e a vapor aproveitassem a teoria de Boyle e outros no terreno das leis primárias da pressão dos gases, o problema prático de fundir o minério com o carvão, por outro lado, estava solucionado antes que a química dos compostos metálicos fosse decididamente compreendida. [7] David Landes descreve a siderurgia do século XVIII em suas primeiras invenções da Revolução Industrial inglesa como uma “arte culinária” na qual os inventores pouco sabiam do porque do funcionamento de suas invenções, sendo seus êxitos muito mais decorrência da sensibilidade e instinto dos inventores na manipulação dos materiais. Ainda em 1860 Bessemer ficou perplexo com o fracasso de seu conversor quanto posto a trabalhar com minérios fosfóricos. O processo de Bessemer só produz bom ferro maleável se o minério tivesse baixo teor de fósforo.[8] De forma inversa, dificuldades práticas muitas vezes impedem a realização prática de conceito bem definido. A máquina a vapor de Thomas Savery patenteada em 1698 era um conceito perfeitamente viável, porém os metalurgistas da época não tinham a tecnologia necessária para resolver seus problemas técnicos[9], muito embora uma apresentação tenha sido realizada perante a Royal Society. [10]
Felix Hoffmann, um químico da Bayer, em 1897, sintetizou o ácido acetilsalicílico a partir do ácido salicílico  patenteado pela Bayer em 1899. O mecanismo de ação da aspirina no entanto permaneceu desconhecido até 1970 quando J. Vane descobriu sua ação no bloqueio da síntese de prostaglandinas.[11] Charles Goodyear ao acidentalmente misturar enxofre com a borracha inventou o processo de vulcanização da borracha, sem contudo, ter noção dos motivos pelo qual o enxofre produzia este efeito. A estrutura do isopreno era desconhecida e tampouco ele sabia que a borracha natura era seu polímero e que com o enxofre este polímero conseguiria a ligação cruzada fundamental entre as moléculas da borracha para mantê-las na posição devida.  Somente 17 anos depois da invenção de Goodyear Samuel Pickles sugeriu que a borracha era um polímero linear do isopreno e assim o processo de vulcanização foi explicado.[12]

Charles Goodyear





[1] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 1418/6539 (kindle edition)
[2] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência, vol. IV A ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro: Zahar, 1987, p.46
[3] LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.332
[4] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 4719/6539 (kindle edition)
[5] WITKOWSKI, Nicolas. Uma história sentimental das ciências. Rio de Janeiro:Jorge Zahar , 2004, p.92
[6] MOKYR, Joel. The lever of riches: technological creativity and economic progress, New York:Oxford University Press, 1990, p.110
[7] A evolução do capitalismo, Maurice Dobb, Zahar Ed., 1973, p.329; LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.99
[8] LANDES, David. Prometeu desacorrentado, Rio de Janeiro:Elsevier, 2005, p.87; CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 188
[9] LANDES,op.cit.p.376
[10] http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Savery; ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 622/6539 (kindle edition)
[11] LESK, Arthur. Introdução à bioinformática, São Paulo, Artmed, 2008, p.303
[12] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.139

domingo, 20 de setembro de 2015

Anagrama com proteção para cientistas

Uma forma encontrada por cientistas de protegerem suas descobertas era com uso de anagramas, permitindo sua transmissão apenas para aqueles que conhecessem a forma de decodificar tais informações, mantendo a primazia da descoberta. Roger Bacon no século XIII filósofo e autor de diversos trabalhos em óptica com telescópios afirmava que nenhum cientista deveria registrar suas descobertas em texto ostensiva mas ao invés disso deveria recorrer à escrita oculta. Bacon escreveu sobre a pólvora por volta de 1260, provavelmente com base em informações de povos nômades sarracenos, alguns antes do retorno de Marco Polo à Veneza com histórias sobre a descoberta dos chineses. Para composição da pólvora Bacon usou de um anagrama que uma vez decifrado revelaria as proporções de sete partes de salitre, cinco de carvão e cinco de enxofre. Seu enigma permaneceu sem solução por 650 anos até ser resolvido por um coronel do exército britânico.[1] 

Robert Hooke manteve o sigilo de seus trabalhos sobre as leis de elasticidade por meio de um anagrama; CEIIINOSSSTUU o qual decifrado significava UT TENSIO SIC VIS (conforme a tensão, tal força)[2]. Galileu usou uma cifra para comunicar a Kepler sua descoberta dos anéis de Saturno, que decifrada significava: “observei que o planeta mais distante tem forma tripla” mas que foi incorretamente decifrada como “salve companheiros gêmeos, filhos de marte” levando a concepção errônea de que Saturno possuía duas luas.[3] Huygens também se utilizou no século XVII de anagramas para garantir a prioridade sobre sua descoberta de luas em Saturno.[4] Na Itália do século XVI 

Niccolò Trataglia conseguiu resolver o problema de encontrar as raízes das equações de terceiro grau, porém preferiu manter seu algoritmo em segredo. Com a insistência de Cardano, Tartaglia escreveu a solução na forma cifrada de um poema de 25 linhas, o qual o matemático Cardano foi capaz de decifrar, com o compromisso de manter o segredo de seu autor. Cardano, contudo, transmitiu o algoritmo a seu secretário um jovem chamado Ludovico Ferrari que aperfeiçoou o método para obter a solução das equações de quarto grau. Cardano ficou em situação difícil, se publicasse a descoberta de Ferrari tornaria público o algoritmo de Tartaglia se comprometera em não revelar. Tendo decorrido seis anos e sentindo-se liberado da promessa de segredo, ao saber que outro matemático, Scipione del Ferro, resolvera o problema das equações cúbicas, Cardano pode publicar sua solução na sua obra a Ars Magna, em 1545 em Nurembergue[5], atribuindo a solução das equações cúbicas a Scipione Del ferro, o que deixou Tartaglia enfurecido. [6] Tartaglia em sua Quesiti et inventioni diverse de 1546 acusou Cardano de perjúrio escrevendo em termos ofensivos que contribuíram para má reputação de Cardano na posteridade[7].

Thomas Merton observa que com a disseminação do artigo científico em revistas especializadas diminuiu consideravelmente o número de casos de disputas de autoria de descobertas científicas. Merton cita os números de 72% no século XVIII, 59% na segunda metade do século XIX e 33% na primeira metade do século XX.[8] Uma grande controvérsia em torno da descoberta do cálculo infinitesimal e integral foi estabelecida no século XVII entre Newton e Leibnitz. Newton descobriu o cálculo em 1665 porém suas primeiras publicações sobre o assunto viriam a ocorrer em 1704 como um apêndice do livro Óptica. Em sua grande obra Principia publicada em 1687 utilizou de argumentos geométricos, uma forma de manter a obra acessível à matemática da época, garantir a continuidade da tradição geométrica clássica e dar uma referência objetiva aos procedimentos e conceitos usados. [9] A controvérsia levou os britânicos a negligenciar por muito tempo os avanços na matemática no Continente em prejuízo próprio. [10] Para membros da Royal Society com Boyle e Hooke, somente o registro de invenções, observações e descobertas no Gresham College poderia se constituir uma forma segura para solução de controvérsias. Adrian Johns mostra que este mecanismo de proteção foi utilizado muito embora tenha contribuído para internalizar as discussões entre os cientistas, mas não extinguir as controvérsias de prioridade. [11]
Nicolo Tartaglia [12]





[1] COUTEUR, Penny le; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Rio de Janeiro:Zahar, 2006, p.85
[2] http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Hooke
[3] KING, Ross. O domo de Brunelleschi: como um gênio da Renascença reinventou a arquitetura, Rio de Janeiro:Record, 2013, p.42
[4] http://carlkop.home.xs4all.nl/huyglens.html
[5] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, São Paulo:Unicamp,2004, p.303
[6] BELLOS, Alex. Alex no país dos números: uma viagem ao mundo maravilhoso da matemática. São Paulo:Cia das Letras, 2011, p.218
[7] GILLISPIE, Charles. Dicionário de biografias científica, volume 1, Rio de Janeiro:contraponto, 2007, p.403
[8] HELLMAN, Hal. Grandes debates da ciência: dez das maiores contendas de todos os tempos. São Paulo:Unesp, 1999, p.65
[9] Scientific American Brasil, Gênios da Ciência, v.7. Newton: o pai da física moderna, 2013, p. 45
[10] EVES, Howard. Introdução à história da matemática, Campina:Ed. Unicamp, 2004, p.444
[11] JOHNS, Adrian. Piracy: the intellectual property wars from Gutenberg to Gates. The University Chicago Press, 2009, p.70
[12] https://pt.wikipedia.org/wiki/Tartaglia