sexta-feira, 31 de julho de 2015

Estatísticas do IP5 (2013)

Acabam de ser liberados os dados de 2013 do IP5


dados de 2013
número de examinadores
EPO – 4107 (p.9)
JPO – 1701 (p.10)
KIPO – 812 (p.18)
SIPO – 2589 (p.19)
USPTO – 7928 (p.25)

Depósitos
EPO – 265 mil (p.7)
JPO – 328 mil (p.12)
KIPO – 204 mil (p.15)
SIPO – 705 mil (p.20)
USPTO – 574 mil (p.24)

Primeiros Exames
EPO – 213 mil (p.7)
JPO – 356 mil (p.12)
KIPO – 182 mil (p.15)
SIPO – 407 mil (p.20)
USPTO – 594 mil (p.24)

Patentes concedidas
EPO – 66 mil (p.7)
JPO – 277 mil (p.12)
KIPO – 127 mil (p.15)
SIPO – 144 mil (p.20)
USPTO – 278 mil (p.24)

Estoque pendente (p.60)
EPO - 522 mil
JPO – 928 mil
KIPO – 435 mil
SIPO – não divulgado
USPTO – 595 mil

Produtividades:
Primeiros Exames / Examinador
EPO – 51,9
JPO – 209,3
KIPO – 224,1
SIPO – 157,2
USPTO – 74,9

Patentes concedidas / examinador
EPO – 16,1
JPO – 162,8
KIPO – 156,4
SIPO – 55,6
USPTO – 35,1

Estoque/ examinador
EPO – 127,1
JPO – 545,6
KIPO – 535,6
SIPO – n.a
USPTO – 75,1

Relação depósitos/primeiros exames
EPO – 1,2
JPO – 0,9
KIPO – 1,1
SIPO – 1,7
USPTO – 1,0


Conclusões:

1) A produtividade do SIPO, JPO e KIPO seja em primeiros exames por examinador ou concessões por examinador é a mais alta dos escritórios listados, curiosamente estes são os três escritórios asiáticos.

2) Proporcionalmente o estoque de pendentes no JPO e KIPO em relação ao número de examinadores é o mais elevado de todos os escritórios.

3) O KIPO para dar conta de seu estoque com o número atual de examinadores em apenas um ano teria de aumentar a produtividade para 535,6 dos atuais 224,1, ou seja, cerca de duas vezes. 

4) Supondo que todos os pedidos sejam examinados, os únicos escritórios que dão conta do estoque em um ano é o USPTO e JPO (relação depósitos por primeiros exames inferior a 1), ou seja, o estoque deles é o estoque de um ano, não parece haver acúmulo de anos anteriores. O KIPO tem uma relação próxima de 1 mas um estoque grande (estoque 545 por examinador enquanto a produtividade é de 224 por examinador) o que significa que tem ainda um passivo de anos anteriores não liquidado. O USPTO tem um estoque de 75 por examinador mas consegue fazer 74,9 primeiros exames por examinador, ou seja, não tem um passivo de anos anteriores grande, o estoque praticamente é o do último ano.

5) Na relação depósitos por primeiros exames observa-se que somente a China não está dando conta em um ano dos pedidos que entram a cada ano, ou seja, o estoque deve estar aumentando, os demais estão equilibrados. Para que o estoque ao menos começasse a cair (relação depósitos/primeiro exame < 1) a produtividade teria de aumentar 1,7 vezes.



quarta-feira, 29 de julho de 2015

Modelos de Utilidade na China

Segundo Chris Bailey as empresas chinesas são intensamente subsidiadas pelos governos nacionais e regionais para aumentarem seus portfolios de modelos de utilidade, em sua grande maioria inválidos, para acionarem judicialmente empresas estrangeiras: “A China não tem patent trolls (patentes duendes), ele tem patent cockroaches (patentes baratas). Este nome não foi eu quem inventou, ele tem sido usado para descrever a ação destas empresas. A expressão é perfeita. Ela descreve o inventor individual ou pequena empresa que tem um modelo de utilidade barato, provavelmente inválido, que em muitos casos possivelmente foi inventado durante o tempo em que o inventor trabalhava para uma outra empresa. Então ele utiliza este modelo de utilidade contra a mesma empresa, idealmente estrangeira ou uma grande corporação. Devemos lembrar que para obter e manter esta patente isso lhe custa muito pouco, de modo que uma compensação financeira de alguns milhares de dólares será lucro para ele, uma vez que os custos de litígio são também muito baixos”.[1]
Dan Prud’homme mostra que a Estratégia de Desenvolvimento Nacional de patentes no período de 2011 a 2020 prevê metas quanto a depósitos de patentes a serem alcançadas em 150 regiões das províncias chinesas. Shangai, por exemplo, desde 1999 oferece um subsídio aos depositantes para estimular os depósitos de patentes padrão que se repete em várias outras províncias o que responde pelo recente aumento em 2009 do número de depósitos de modelos de utilidade, o que para Dan Prud’homme tem tido um impacto negativo na qualidade das patentes concedidas. Embora com 2.2 milhões de depósitos em 2013 apenas 21 mil patentes chinesas foram depositadas via PCT, o que é um indicador de baixa qualidade das patentes, segundo métrica comumente empregada pela WIPO, embora uma métrica de depósitos no exterior não necessariamente implique baixa qualidade devendo ser contextualizada com outras métricas como taxas de citação das patentes.[2] Os dados de 2014 mostram um recuo nesta tendência com um declínio de 3% no total de depósitos de modelos de utilidade em relação a 2013. Dan Prud’homme, contudo, acredita que este recuo é temporário uma vez que a Estratégia Nacional de PI de 2014-2020 tem como objetivo aumentar a média atual de 6 patentes para cada 10 mil pessoas para 14 pessoas, assim como aumentar o número de pedidos PCTs por grupo de 10 mil pessoas de 3 em 2015 para 7.5 em 2020.[3]
Segundo Mark Cohen, Diretor de Política Internacional de Propriedade Intelectual da Microsoft apenas 2% dos pedidos de invalidação de patentes no SIPO obtém sucesso, o que leva a muitas empresas a tentarem a invalidação das patentes diretamente nas Cortes. Dados de 2011 mostram que 99.3% dos depósitos de modelos de utilidade na China são realizados por residentes, sendo os restantes 0.7% depósitos com origem principalmente no Japão e Estados Unidos. O tempo estimado de exame de um modelo de utilidade é de apenas 4.6 meses contados da data de depósito até sua decisão[4], podendo em alguns casos chegar a um ano[5]. Pedidos de patente de invenção por outro lado, seguem tramitação distinta, que pode levar até três anos para concessão. Cerca de 62% dos modelos de utilidade na China são depositados por inventores individuais, ao invés de empresas, o que favorece o surgimento de trolls de patentes, especialmente considerando o fato de tais patentes não serem submetidas a um exame substantivo. Em 2006 a Corte de Nanjing Intermediate People’s Court em Yuan Lizhong v. Yangzhong City Tongfa Industry condenou por litígio malicioso (sham litigation) o titular de um modelo de utilidade que buscava o enforcement de sua patente de forma abusiva. [6] Stephen Harris e Mark Cohen identificam da mesma forma o uso de modelos de utilidade com propósitos anticompetitivos por parte de empresas chinesas.[7]
Uma Suthersanen destaca que muitos modelos de utilidade concedidos a residentes chineses são na verdade invenções importadas do exterior.[8] Este comportamento pode responder pelo grande acréscimo observado no número de depósitos de modelos de utilidade na China. O fato de não ser submetido a exame substantivo tem elevado o número de nulidades de tais registros. Cerca de 95% das nulidades recebidas pelo SIPO são relativas a modelos de utilidade, e em mais de 60% dos casos tais registros terminam cancelados.[9] Martin Meng menciona que dos casos em litígio, enquanto 25% das patentes de invenção terminam anuladas, para os modelos de utilidade este índice é de 30%. [10]Analisando o total de depósitos de 1994 a 2003 Uma Suthersanen observa que os residentes depositaram 644 mil modelos de utilidade e apenas 226 mil patentes de invenção e conclui que a maior parte do esforço de inovação do país se encontra na adaptação de invenções obtidas do exterior. De um total de aproximadamente 1,5 milhão de depósitos entre o mesmo período de 1994 a 2003 cerca de 40% foram de modelos de utilidade, em grande parte (99%) realizado por residentes[11] (Figura 38). Empresas chinesas como Huawei com 1,6 mil pedidos, ZTE com 1,9 mil pedidos, Midea com 5,2 mil pedidos, Joyoung com 1 mil pedidos e Haier com 3,5 mil pedidos são grandes depositantes de modelos de utilidade.[12] Dos 409 mil modelos de utilidade depositados em 2010, 407 mil são de residentes.[13] As estatísticas do escritório chinês apontam para cerca de 1,7 milhão de modelos de utilidade em vigor na China em junho de 2013, um crescimento de 38% em relação ao último ano, sendo que 99% de titulares residentes na China.[14]
A expansão no número de depósitos é explicada em função do aumento nos gastos em P&D; revigoramento do aparato legal em favor da concessão de direitos patentários e subsídios governamentais para o depósito de patentes, o que se reflete no fato de que este aumento observado nos depósitos de patentes de invenção e modelos de utilidade é mais intenso em regiões da China em que se verifica a presença de tais subsídios.[15] Quando da adoção do sistema em 1984 havia um receio das autoridades legislativas de que os modelos de utilidade poderiam ser utilizados por grandes empresas japonesas, algo que não se confirmou. [16]


Fonte: SIPO Annual Report 2010[17]

 

John Orcutt observa que o sistema de patentes na China tem encorajado o duplo patenteamento como invenção e modelo de utilidade pelas seguintes razões: i) os depósitos de patentes são relativamente baratos, ii) patentes de invenção em geral tem uma tramitação mais demorada que um modelo de utilidade, iii) não há formalmente nenhuma proibição de ser fazer o depósito simultâneo de invenção e modelo de utilidade. Segundo o autor, embora não seja possível a concessão de uma patente de invenção igual a um modelo de utilidade, não está claro se o SIPO é capaz de filtrar todos estes casos, o que pode levar a uma contagem de patentes concedidas indevidamente inflacionada. No período de 1996 a 2006 apenas 8% das patentes concedidas a residentes chineses foram patentes de invenção, o restante sendo modelo de utilidade e desenhos industriais. De 2003 a 2006 este índice se eleva para 11% o que mostra que a maioria das inovações dos residentes chineses é de caráter incremental. Por outro lado, as patentes concedidas no USPTO com origem na China que em 1987 eram apenas de 23 saltaram para 1235 em 2007, enquanto que com origem no Brasil no mesmo período aumentaram de 35 para 118.[18] Segundo Peter Feng: “a patente de modelo de utilidade foi planejada para estimular a participação mais ampla de empresas inventivas, especialmente as empresas menores coletivas e cidadãos privados que tem menos probabilidade de ter os recursos necessários para patentes de invenção”.[19]
Dan Prud'homme em estudo da Câmara Europeia de Comércio[20] observa que embora os depósitos de patentes na China tenham superado os dos Estados Unidos e Japão isto não significa que a China seja um líder global da inovação. O estudo mostra que a maior parte destes depósitos são de baixa qualidade. Apesar disso os dados mostram que desde 2004 os depósitos de residentes de patentes de invenção superaram os de modelo de utilidade o que representa um início de maior conteúdo tecnológico dos depósitos chineses. Os pedidos de modelo de utilidade tem índices de invalidação (47%) duas vezes superior aos de patentes de invenção (21%) quando julgados pelo Patent Re-Examination Board (PRB). Uma outra estatística apresentada em seminário realizado em Tóquio em 1998 apresenta um índice de invalidação de modelos de utilidade igualmente elevada da ordem de 60%.[21] Kit Boey Chow observa que uma razão para abusos cometidos no sistema é o fato de que a concessão dos modelos de utilidade é feita sem exame e mesmo em caso de litígio permanece como uma opção a Corte ou autoridade administrativa solicitar ao titular um relatório de busca. [22] As autoridades chinesas tem manifestado preocupação com a baixa qualidade de muitas patentes. Ma Weiye, diretor geral do SIPO declarou em dezembro de 2010: “nossas empresas devem prestar muito mais atenção com a qualidade das patentes do que apenas com sua quantidade”.[23]



[1] WILD, Joff. NPEs, Chinese style. 24 maio 2011 http://www.iam-magazine.com/
[2] PRUD’HOMME, Dan. Rethinking what international patenting really says aboiut chinese innovation, Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2014, v.9, n.12, p. 986-992
[3] PRUD’HOMME, Dan. China´s shifting patente landscape and State-led patenting strategy, Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2015, v.10, n.8, p.619-625.
[4] SIPO, Utility Model System in China abril 2012
 http://fordhamipconference.com/wp-content/uploads/2010/08/ZhangYe_UMSystem.pdf
[5] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.156
[6] Stanford Law and Chinese Transformation Conference (part 2 – the rise of patent cockroaches) 16 maio 2011 http://patentbric.com/?p=263
[7] HARRIS, Stephen; COHEN, Mark; WANG, Peter. Anti-monopoly law and practice in China, Oxford University Press, 2011, p. 217
[8] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.39, 162
[9] SUTHERSANEN, Uma. Utility Models and Innovation in Developing Countries, UNCTAD-ICTSD Project on IPRs and Sustainable Development, 2006, p.21 http://www.unctad.org/en/docs/iteipc20066_en.pdf
[10] MENG, Martin; HAO, Howard. Application and protection of Chinese utility model patents, 27/08/2013 China: Managing the IP Lifecycle, p.19-23 http://www.lexology.com
[11] SUTHERSANEN, DUTFIELD.op.cit. p.156
[12] MENG, Martin; HAO, Howard. Application and protection of Chinese utility model patents, 27/08/2013 China: Managing the IP Lifecycle, p.19-23 http://www.lexology.com
[13] http://english.sipo.gov.cn/statistics/gnwsznb/2010/201101/t20110125_570592.html
[14] http://english.sipo.gov.cn/statistics/2013/6/201308/t20130813_812466.html
[15] LI, Xibao. Behind the recent surge of Chinese patenting: an institutional view. Research Policy, v.41, 2012, p.236-249
[16] SUTHERSANEN, DUTFIELD,op.cit. p.153
[17] SIPO, Annual Report, 2010, Chapter IV - Patent application and examination
http://english.sipo.gov.cn/laws/annualreports/2010/201104/P020110420372588586402.pdf http://english.sipo.gov.cn/statistics/
[18] ORCUTT, John. Shaping China’s Innovation Future: university technology transfer in transition. Edward Elgar, 2010, p. 67, 143
[19] Cf. YU, Peter. Building the Ladder: Three Decades of Development of the Chinese Patent System, outubro 2012, WIPO Journal, v. 5, p. 1-16, 2013, Drake University Law School Research Paper No. 12-30 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2159011
[20] European Chamber. Dulling the cutting edge: how patent related policies and practices hamper innovation in China. Agosto 2012 http://www.euccc.com.cn/upload/media/media/27/patentstudy2012[766].pdf In: LIU, Benjamin. Patent Quality and Innovation in China: 5 myths, 9 outubro 2012
http://chineseip.jmls.edu/sites/en/patent-quality-and-inno-0
[21] SUTHERSANEN, Uma; DUTFIELD, Graham; CHOW, Kit Boey. Innovation without patents: harnessing the creative spirit in a diverse world. Edward Elgar, 2007, p.163
[22] SUTHERSANEN, op.cit, p.163
[23] CHINA DAILY. SIPO: quality, not numbers, key to patents and innovation, 5 janeiro 2011 http://english.people.com.cn/90001/90778/90860/7250698.html ; WILD, Joff. Quality is China's biggest patent challenge 20 janeiro 2011 http://www.iam-magazine.com/

terça-feira, 28 de julho de 2015

Software como modelo de utilidade ?

A Áustria desde 1994 permite a proteção como modelo de utilidade da lógica que envolve um programa de computador. Para William Cornish e David Llewelyn isto parece ter a intenção de contornar a exclusão de patentes a programas de computador. [1] No entanto a lei não deixava claro em que condições tais patentes de modelo de utilidade poderiam ser concedidas. Em 2011 um requerente depositou pedido de modelo de utilidade para uma lógica de programa que resolvia equações diferenciais ordinárias. O escritório de patente negou a patente por entender que não havia aspectos técnicos. Em 2013 a Câmara Suprema de Marcas e Patentes (SPTB) julgou o caso e reafirmou o indeferimento (OBGM 1/13 Supreme Patent and Trademark Board SPTB, 1 dezembro 2013). A decisão foi publicada em 2014 pela Suprema Corte da Austria uma vez que a lei de 2014 dissolvera o SPTB. Se a seção 1(2) do Utillity Model Act afirma que a lógica do programa constitui invenção, a seção 1(3)(3) considera o programa as such como não invenção. O pedido tratava da solução de equações matemáticas, ou seja, de meras instruções para execução de atos mentais que não possuem nenhuma informação técnica ou solução de problema técnico um pré-requisito exigido pela seção 1(1) do Utility Model Act. A seção 1(2) ao tratar de lógica de programa não derroga este critério, logo apenas as lógicas de programa com aspectos técnicos põem ser protegidos. O mero uso de um computador não é suficiente para atender este critério técnico.[2] A Diretiva Européia de Modelo de Utilidade, discutida nos anos 1990, por sua vez, propunha a proteção do software como modelo de utilidade, orientada para proteção dos desenvolvimentos de pequenas empresas. No entanto, as incertezas quanto ao efeito de tais patentes examinadas apenas em caso de litígios judiciais ou sob demanda; bem como o conceito vago de atividade inventiva mínima baseada em algo “não muito óbvio para um técnico no assunto” e os inevitáveis custos de tradução inviabilizaram uma proposta concreta de modelo de utilidade comunitário e acessível às pequenas empresas. Tais propostas não se viabilizaram pelos riscos de se tornarem pouco eficazes além de representar um risco de comprometer o sistema de patentes.[3]


[1] CORNISH, William; LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trade marks and allied rights, London:Sweet&Maxwell, 2007, p.131
[2] GRAF, Ferdinand; KRIZANAC, Marija. Program logic in the field of intellectual property: protectability under Austrian law. Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2014, v.9, n.11, p.894-895
[3] LEITH, Philip. Software and Patents in Europe, Cambridge:Cambridge University Press, 2007, p.165, 178

Patente de software na China

Na China o Artigo 22 da lei de patentes define que uma invenção deva possuir aplicabilidade prática entendida como o fato de uma invenção poder ser usada ou produzir resultados efetivos. Segundo a Regra 2.1 dos Regulamentos que implementam a Lei de Patentes uma invenção é tida como uma solução técnica relativa a um produto, processo ou aperfeiçoamento dos mesmos. O Artigo 25.1 da Lei de Patentes por sua vez exclui da patenteabilidade as descobertas científicas, regras e métodos para atividade mentais, métodos de diagnósticos e tratamento de doenças, variedade de plantas e animais, e substâncias obtidas por meio de transformação nuclear. Assim, não há vedação explícita a programas de computador embora alguns autores considerem a legislação bastante restritiva quanto a patenteabilidade de tais criações.[1] Métodos de fazer negócios são enquadrados como métodos para atividades mentais e portanto excluídos de proteção.
De acordo com o Guia de Exame de 2006 o termo “atividades mentais” se refere aos movimentos do pensamento humano. Uma vez que os mesmos não utilizam meios técnicos ou apliquem as leis da natureza, nem resolvam qualquer problema técnico ou produzem qualquer efeito técnico, eles não constituem soluções técnicas. [2] O teste de patenteabilidade requer que a solução proposta resolva um problema técnico, usando meios técnicos e produzindo algum efeito técnico. Desta forma, programas de computador relativos somente ao algoritmo, programa de computador em si ou as regras matemáticas computacionais são entendidas como atividades mentais segundo o Art. 25.1(2). Quando um pedido é composto de uma mistura de matérias patenteáveis e não patenteáveis o guia de exame estipula que o pedido deva ser considerado como um todo. [3] Segundo a Regra 2.1 a invenção deve se constituir uma solução técnica, ou seja, deve necessariamente atender a três critérios: resolver um problema técnico, utilizar de meios técnicos e ser capaz de produzir um efeito técnico. O guia cita como exemplo de matéria patenteável um sistema programado de controle da cura de uma sandália de borracha, similar ao caso Benson julgado pela Suprema Corte norte-americana; um método para aumentar a capacidade de armazenamento de dispositivos móveis de comunicação; um método para remover o ruído em uma imagem; método automatizado para medição da viscosidade de um líquido[4]. Por outro lado um método de jogo de computador caracterizado por perguntas e respostas e exibição de pontuação dos jogadores é considerado atividade mental uma vez que os dispositivos usados no jogo como teclados, interfaces, transmissão dos dados são todos conhecidos e a contribuição reside no controle e gerenciamento do jogo ou nas regras do jogo. Da mesma forma um método de ensino de idiomas uma vez que o sistema proposto meramente determina os conteúdos apresentados em função das respostas do usuário. [5]
Uma invenção relativa a um método para o cálculo da razão entre a circunferência de um círculo e seu diâmetro usando um programa de computador que consiste em se calcular a razão entre o número de pontos (pequenos quadrados) internos a um quadro inscrito no círculo e o número de pontos internos ao círculo multiplicando esta raão por quatro, se enquadra como atividade mental segundo o artigo 25.1, um método puramente matemático e portanto não deve ser concedida patente, ainda que do ponto de vista prático este método não pudesse ser realizado mentalmente, mas apenas com auxílio de um computador. Um método de análise de caracteres e palavras para uso em sistema de tradução tomando em consideração regras de sintaxe e gramática também é enquadrado como atividade mental.[6] Um método de codificação de caracteres chineses em um computador é um método de apresentação de informação que é enquadrado como atividade mental. Contudo se este método é combinado com um teclado especial tal método se enquadra como solução técnica pela regra 2.1 e pode ser patenteado.
O guia de exame de 2006 estabelece que se uma reivindicação , em substância, se refere apenas a regras e métodos para atividades mentais, a patente deva ser negada. No entanto se a reivindicação com um todo contém não apenas matérias referentes as regras mentais, mas também matéria considerada técnica, então a reivindicação, como um todo, não deve ser considerada como regra mental e não deve ser excluída pelo Artigo 25. Por exemplo: se a contribuição da invenção ao estado da técnica consiste apenas nas regras e métodos para atividades mentais, a mesma deve ser tratada como regra e método mental e não deve ser concedida. Porém nos casos em que a contribuição da invenção ao estado da técnica não consiste meramente de regras ou métodos mentais, ela não deve ser excluída de patenteabilidade pelo Artigo 25.1.[7] Segundo Wenping Chen “as invenções implementadas por programa de computador referem-se a soluções que são completa ou parcialmente baseadas na execução de um programa de computador para resolver o problema proposto pela invenção. Portanto um programa de computador per se pode ser entendido como uma “expressão” na forma de uma sequência de instruções de uma ideia (solução) subjacente ao programa. A exclusão de programas de computador per se é limitada ao produto de software como tal. A patenteabilidade da solução subjacente depende se é uma solução técnica ou não. Quando a solução subjacente a um programa de computador resolve um problema técnico, utiliza meios técnicos ou produz efeitos técnicos, a mesma possui características técnicas e constitui uma solução técnica que pode se qualificar para proteção por patentes, ainda que baseado inteiramente em um programa de computador”.
Na China, segundo a regra 2.1 uma invenção uma inveção consiste uma nova solução técnica relativa a um produto, processo ou aperfeiçoamento dos mesmos[8], e isto deve ser observado sobre três aspectos: tanto o problema resolvido, os meios utilizados como os efeitos observados deverão necessariamente ser de natureza técnica.[9] Desta forma uma invenção relativa a programa de computador somente será matéria de proteção por patentes se constituir solução de um problema técnico. Aubin Perthuis[10] mostra que é inegável que as diretrizes de exame da China possuem uma forte influência pelo critério europeu, e considera como invenções processos de controle industrial, para melhorar o desempenho de operações internas de computadores e controle e/ou execução de procedimentos de teste ou medição tendo sido concedidas patentes para sistemas de rastreamento de objetos  pela internet CN1264091, método para criação de nomes de domínio na internet CN1267865, método de cópia de dados em disco rígido CN1310389, método para entrada de endereços de internet em caracteres chineses CN1315690, método de tarifação de serviços CN1357853.




[1] ARCHONTOPOULOS, Eugenio. Spot the differences: a computer-implemented invention or a software patent ? European Policy for Intellectual Prop, September  2011 http://www.epip.eu/conferences/epip06/papers/Parallel%20Session%20Papers/ARCHONTOPOULOS%20Eugenio.pdf
[2] Guidelines 2006, Ch.1, 4.2, Pt II
[3] YURONG, Zhang; XIANG Yu, The Patent Protection for business methods in China, 2008 v.30, n.10  European Intellectual Property Review  412, 414.  Guidelines 2006, Ch.1, 4.2, Pt II
[4] http://www.wipo.int/edocs/mdocs/sme/en/wipo_ip_bis_ge_03/wipo_ip_bis_ge_03_7-main1.pdf
[5] Yali Shao, ‘Software-related Inventions’ (Sep 2008) Managing Intellectual Property (IP Focus Supplement) 47, 48
[6] Guidelines for examination, 2006, SIPO, Intellectual Property Publishing House, parte II, cap. 9, parag. 3, p.300
[7] http://www.chinaipr.gov.cn/guidespatentarticle/guides/agparent/agpguidance/200806/241156_1.html
[8] Xiang Yu, ‘The Patent Protection for business methods in China’ (2008) 30(10)  European Intellectual Property Review 412; Lin Deng, ‘How to protect software-related inventions in China’  (2004) 142 Managing Intellectual Property  20, 21
[9] (SIPO) Guidelines for Examination, 2006, Chapter 9.1, Part II, p.298
[10] PERTHUIS, Aubin; BULCK, Paul van den. Software protection in China: towards better days. The Journal of World Intellectual Property, v.8, n.4, p. 405–444, July 2005

Patente de software na Índia

Em razão do Ayyangar Committee on Patent Law estabelecido em 1959 apontar que a maior parte das patentes concedidas no país tinham como origem empresas não residentes, a Índia adotou uma postura defensiva de patenteamento com o Patent Act de 1970. O Patents Act, 1970 foi emendado em 2002 de modo a excluir na seção 3(k) como matéria patenteável métodos matemáticos, métodos financeiros, programas de computador per se e algoritmos[1]. O Manual de Exame indiano por sua vez interpreta esta norma de forma flexível com possibilidade de concessão de patentes caso demonstrado a presença de efeito técnico.[2] O escritório de patentes indiano está disperso em quatro cidades: Kolkata, Nova Delhi, Mumbai e Chennai[3] que não adotam estas diretrizes de maneira uniforme. Uma tentativa de reforma legislativa em 2004 no sentido de expandir os escopo de tais invenções, retirando a exclusão a programas de computador per se, foi rejeitada pelo parlamento Indiano.[4]
Dipak Rao e Siva Gopinatham [5] observam que a Seção 3(k) do Patent Act não considera como invenção métodos financeiros ou matemáticos ou programas de computador per se. Esta restrição foi acrescentada em 2002 antes da qual a legislação não fazia referência a esta restrição contra programas de computadores.[6] Embora uma primeira leitura possa levar a conclusão que a Índia não concede patentes nesta área, este não é o caso. A lei indiana não insere a cláusula per se no item referente a métodos matemáticos de modo que os mesmos são excluídos assim como os algoritmos. Os autores entendem que a prática adotada na Índia se aproxima dos critérios europeus de modo que se o software produz um efeito técnico ou mecânico ou se está associado com um sistema mecânico de modo a produzir um resultado funcional ou técnico então a invenção como um todo pode ser considerada patenteável. Esta interpretação da lei indiana é confirmada por Praveen Raj ex-examinador no escritório indiano de patentes que também lista como possibilidades de patenteamento quando o software apresenta uma aplicação técnica ou quando o software combinado com o hardware, em sistemas embarcados, empregam uma aplicação técnica.[7] Em entrevista a gestores do escritório indiano de patentes Janice Mueller reporta que como reflexo da posição européia no caso de software embarcado em um hardware o escritório tende a conceder a patente demonstrada a presença de efeitos técnicos. Em 2004-2005 uma proposta do governo emendava a lei para permitir de forma explícita a patenteabilidade de criptografia por software usada em discos ópticos e outros hardwares, no entanto, a mesma foi rejeitada.
Yougesh Pai mostra que mesmo após a derrota legislativa em 2005 de se ampliar as possibilidades de patenteamento o escritório de patentes sugere interpretações contrárias às intenções do legislativo em seus manuais de exame ao expandir as possibilidades de patenteamento. Para Yougesh Pai um programa de computador é apenas uma forma de expressão de um algoritmo e desta forma não é diferente de outro algoritmo, exceto por sua forma de expressão. Em outras palavras um programa de computador revela um processo de implementação de um algoritmo. A seção 3k da lei de patentes da Índia de 1970 não considerava como invenção um método matemático ou financeiro ou um programa de computador ou algoritmos. A emenda de 2002 foi uma tentativa de se eliminar a ambiguidade do texto legal, sinalizando de forma inequívoca que invenções implementadas por programa de computador poderiam ser patenteadas. Esta emenda viria buscar uma coerência com o artigo 27 que previa patentes para todos os setores tecnológicos. O guia de exame de 2001 define que o programa de computador como conjunto de instruções para controle de uma sequência de operações de um sistema de dados constitui um método matemático. Se a implementação de um novo programa exige modificações internas no computador de tal natureza que este possa ser razoavelmente considerado como um novo computador a reivindicação não será excluída. Tal modificação deve contudo ser considerada inventiva.
Uma implementação em hardware de uma nova função será excluída somente se este sistema de hardware for conhecido ou óbvio independente da função sendo executada. Uma invenção que consista de um hardware em conjunto com um software de modo a executar a função no hardware pode ser patenteada. Para Yougesh Pai este este critério do guia de exame é confuso pois não há qualquer diferença entre sistemas embarcados e outros tipos de hardware. A proposta de modificação da lei em 2004 previa que as exclusões se limitariam ao programa de computador per se, exceto as suas aplicações técnicas na indústria ou em combinação com um hardware; métodos matemáticos ou métodos financeiros e algoritmos. Para Yougesh Pai a proposta abria a possibilidade de patenteabilidade de todos os tipos de software. A proposta foi rejeitada pelo Parlamento em 2005. Apesar disso, Yougesh Pai aponta que o escritório de patentes indiano já concedeu mais de 150 patentes de software a empresas em sua grande maioria multinacionais. No guia de exame de 2005 um processo executado sob controle de um programa não pode ser considerado como programa de computador as such, abrindo possibilidade para seu patenteamento, o que segundo Yougesh Pai não segue o entendimento legal. Pelo guia de exame a solução de um problema técnico por meio de um processo implementado por software torna a invenção patenteável. Para Yougesh Pai a prática de exame da Índia se harmoniza com as decisões do Federal Circuit norte americanas em Alappat e da Câmara de Recursos da EPO em Vicom.[8]




[1] ANIRUDH, K; ANJANAKSHI, V. Software Patents: An Indian Perspective, Law and Technology (LawTech 2006) https://www.actapress.com/PaperInfo.aspx?PaperID=28622&reason=500
[2] Technical applicability of the software claimed as a process or method claim, is required to be defined in relation with the particular hardware components. Thus, the “software per se” is differentiated from the software having its technical application in the industry. A claim directed to a technical process which process is carried out under the control of a programme (whether by means of hardware or software), cannot be regarded as relating to a computer programme as such. For example, “a method for processing seismic data, comprising the steps of collecting the time varying seismic detector output signals for a plurality of seismic sensors placed in a cable.” Here the signals are collected from a definite recited structure and hence allowable. Draft Manual of Patent Practice and Procedure the Patent Office, India, item 4.11.6
[3] http://www.patentoffice.nic.in/
[4] PAI, Yogesh Anand. Patent Protection for Computer Programs in India: Need for a Coherent Approach, The Journal of World Intellectual Property, v. 10, Issue 5, p.315-364, September 2007
[5] RAO, Dipak; GOPINATHAM, Siva. Argument rages on over software patents, 1 setembro 2009 http://www.managingip.com/Article/2282202/Argument-rages-on-over-software-patents.html
[6] MUELLER, Janice. The Tiger Awakens: The Tumultuous Transformation of India’s Patent System and the Rise of Indian Pharmaceutical Innovation, University of Pittsburgh Law Review, Vol. 68, No. 3, 2007 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=923538
[7] http://www.thehindubusinessline.com/todays-paper/tp-economy/article1658946.ece?ref=archive
[8] PAI, Yougesh. Patent Protection for Computer Programs in India: Need for a Coherent Approach, South Centre, The Journal of World Intellectual Property, 2007, v.10, n. 5, p. 315–364

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Doutrina de equivalentes na Inglaterra

Na Inglaterra a doutrina de file wrapper stoppel foi aplicada em Furr v. Truline[1].  Uma restrição do significado de um termo da reivindicação foi adotado pelo depositante como forma de escapar à uma anterioridade e ter a patente concedida. Desta forma, na análise de contrafação, o  titular não pode pleitear a ampliação do significado do mesmo termo para aumentar o escopo de sua patente. Em Kirin Amgen v. Hoesct [2005] RPC 9 a Câmara de Lordes afastou a aplicação da doutrina file wrapper estoppel e a doutrina de equivalentes. Segundo a Corte a desvantagem desta doutrina está em se definir o escopo de proteção de uma patente com base em informações que não diretamente acessíveis e pelo fato de que o titular pode emitir opiniões no processamento somente para se livrar das objeções contra a patenteabilidade de seu pedido sem maiores polemizações com o examinador como forma de ter mais rápida sua patente deixando para o tribunal as definições exatas do contorno de sua patente: “As cortes da Inglaterra, Holanda e Alemanha, certamente desencorajam, se ela de fato não proíbem o uso do escritório de patentes como auxílio para interpretar uma reivindicação. Há boas razões para isso: o significado de uma patente não deveria variar pelo fato do técnico no assunto ter tido acesso aos arquivos”. Em Qualcommm v. Nokia [2008] EWHC 329 a Corte entendeu como contraprodutivo o uso de tal informação.
No entanto em Actavis v. Elli Lilly [2014] EWHC 1511 aplicou a doutrina de equivalentes em Improver. A Corte observou que o uso da doutrina de equivalentes tem sido adotado pelos titulares em três casos: i) a patente foi mal redigida (como em Improver), ii) a tecnologia avançou muito desde a concessão da patente (como em Kirin Amgen) e iii) o titular se arrepende de uma decisão tomada quando do processamento de seu pedido no escritório de patentes. A corte considera a patente de Eli Lilly como incidindo neste terceiro caso, pois ela tentou uma reivindicação mais ampla, no entanto acabou desistindo da tentativa e acabou aceitando a forma mais estreita de reivindicação. Anos depois ao utilizar sua patente em um caso de contrafação a Eli Lilly buscou aquele escopo mais amplo que havia sido negado na concessão da patente. A corte negou esta nova tentativa da titular alegando que ao permitir anular o entendimento do examinador na extensão da patente criaria um desequilíbrio entre a extensão do monopólio concedido pelo escritório de patentes e a revelação proporcionada pelo documento de patente. A Corte considerou que o recurso ao file wrapper stoppel neste caso seria justificado para não se ampliar o escopo da patente tal como concedida: “considerações sobre o acesso aos arquivos podem ajudar a garantir que os titulares não abusem do sistema ao aceitar uma reivindicação mais restrita apenas para ter suas patentes concedidas para depois pleitear uma interpretação mais ampla em casos de contrafação[2]. A decisão aplica a doutrina de equivalentes tal como definida no Protocolo 69, um recurso que até então vinha sendo pouco utilizado pelas Cortes inglesas.[3]


[1] [1985] FSR 553. Cf. CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 174
[3] COX, Ralph; SPPINK, Simon. UK claim construction: returno f the portocol questions and file wrapper estoppel. Journal of Intellectual property law & practice, 2015, v.10, n.3, p.167-169