quarta-feira, 24 de junho de 2015

Patente de software na India

Em razão do Ayyangar Committee on Patent Law estabelecido em 1959 apontar que a maior parte das patentes concedidas no país tinham como origem empresas não residentes, a Índia adotou uma postura defensiva de patenteamento com o Patent Act de 1970. O Patents Act, 1970 foi emendado em 2002 de modo a excluir na seção 3(k) como matéria patenteável métodos matemáticos, métodos financeiros, programas de computador per se e algoritmos[1]. O Manual de Exame indiano por sua vez interpreta esta norma de forma flexível com possibilidade de concessão de patentes caso demonstrado a presença de efeito técnico.[2] O escritório de patentes indiano está disperso em quatro cidades: Kolkata, Nova Delhi, Mumbai e Chennai[3] que não adotam estas diretrizes de maneira uniforme. Uma tentativa de reforma legislativa em 2004 no sentido de expandir os escopo de tais invenções, retirando a exclusão a programas de computador per se, foi rejeitada pelo parlamento Indiano.[4]
Dipak Rao e Siva Gopinatham [5] observam que a Seção 3(k) do Patent Act não considera como invenção métodos financeiros ou matemáticos ou programas de computador per se. Esta restrição foi acrescentada em 2002 antes da qual a legislação não fazia referência a esta restrição contra programas de computadores.[6] Embora uma primeira leitura possa levar a conclusão que a Índia não concede patentes nesta área, este não é o caso. A lei indiana não insere a cláusula per se no item referente a métodos matemáticos de modo que os mesmos são excluídos assim como os algoritmos. Segundo o Manual de Exame indiano publicado em 2008 item 4.11.6 “A reivnidcação de método deve definir claramente as etapas envolvidas na realização da invenção. Em outras palavras, a mesma deve resolver um problema técnico. As reivindicações devem incorporar os detalhes referentes ao modo de implementação da invenção através de hardware ou software para maior clareza. Uma reivindicação orientada para um método/processo deve conter uma limitação de hardware ou de alguma máquina. A aplicação técnica do software reivnidcado como método ou processo é exigido ser definida em relação com componentes de hardware particulares. Desta forma o software em si é diferenciado do software que possui uma aplicação técnica na indústria. Uma reivnidcação direcionada a um processo técnico cujo processo é realizado sobre controle de um programa (seja por meio de hardware oou software) não pode ser considerado como relativo ao programa de computador per si. Por exemplo, um método para o processamento de dados sísmicos, compreendendo as etapas de coletar os sinais de saída do detetor de dados sísmicos variantes no tempo para uma pluralidade de sensores sísmicos dispostos em um cabo. Neste caso os sinais são coletados a partir de uma estrutura detelhada no pedido e desta forma o método é patenteável [...] As reivnidcações relativas a um porduto de programa de software nnada mais é do que o programa de computador em si simplesmente expresso em um suporte físico lido pelo computador e como tal não patenteável [...] reivinidicações para um método de porcessamento d eimagem que usa um método matemático para manipular números representando imagens pode ser patenteado. A razão é que o porcessamento de imagem executa um processo técnico relativo a qualidade da imagem e não ao método matemático em si.”[7]
Os autores entendem que a prática adotada na Índia se aproxima dos critérios europeus de modo que se o software produz um efeito técnico ou mecânico ou se está associado com um sistema mecânico de modo a produzir um resultado funcional ou técnico então a invenção como um todo pode ser considerada patenteável. Esta interpretação da lei indiana é confirmada por Praveen Raj ex-examinador no escritório indiano de patentes que também lista como possibilidades de patenteamento quando o software apresenta uma aplicação técnica ou quando o software combinado com o hardware, em sistemas embarcados, empregam uma aplicação técnica.[8] Em entrevista a gestores do escritório indiano de patentes Janice Mueller reporta que como reflexo da posição européia no caso de software embarcado em um hardware o escritório tende a conceder a patente demonstrada a presença de efeitos técnicos.
O Patent Act de 2002 (No. 38 de 2002) conferiu nova redação ao Artigo 3(k) que não considera como invenção métodos matemáticos ou financeiros, programas de computador em si ou algoritmos, assim como um mero esquema ou regra ou método de execução de atos mentais ou métodos para jogar um jogo. As exclusões do Artigo 3(k) foram modificadas no Patents (Amendment) Ordinance de 2004 (No.7 de 2004) para excluir apenas: “um programa de computador per se que não tenha aplicação técnica na indústria ou uma combinação com o hardware” (a computer programme per se other than its technical application to industry or a combination with hardware).[9] Contudo, o Patent Act de 2005 (No. 15 de 2005) que se ajustou as exigências de TRIPs, não incluiu esta emenda proposta, que ampliava o conceito de patenteabilidade de tais criações e manteve o texto de 2002 do Artigo 3(k) inalterado. Uma proposta do governo que emendava a lei para permitir de forma explícita a patenteabilidade de criptografia por software usada em discos ópticos e outros hardwares foi igualmente rejeitada no Patent Act de 2005. Esta tentativa fracassada de colocar os limites amplos de patenteabilidade de forma mais clara na legislação foi igualmente rejeitada na Comunidade Europeia com a rejeição da Diretiva de Software no mesmo.
Contudo o 88th Report on the Patent and Trademark System in Índia apresentado ao Parlamento em 2008 destacou a necessidade de se definir claramente o sentido de “em si” mencionado no Artigo 3(k). Em junho de 2013 o escritório indiano de patentes publicou uma consulta pública para diretrizes de exame de invenções relacionados com computadores o que mostra que o escritório de patentes indiano está abandonando o termo "inventos implementados por software" por um termo mais amplo. O Guia de exame destaca a necessidade da invenção proposta evidenciar um avanço técnico, ou seja a contribuição ao estado da técnica deve conter um efeito técnico por exemplo maior velocidade, redução de tempos de acesso a um disco rígido, uso mais econômico da memória, busca de dados ou compressão de dados mais eficiente, interface de usuário aperfeiçoadas, ou melhor transmissão ou recepção de dados. Assim a mera combinação de um hardware conhecido a um software não garante a patenteabilidade desta invenção. Métodos matemáticos são considerados atos mentais e excluídos de patenteabilidade como por exemplo formulações de equações, encontrar raízes de uma equação. Métodos financeiros são igualmente excluídos de patenteabillidade mesmo quando os mesmo se utilizam da “ajuda da tecnologia” uma vez que “em substância” as reivindicações se referem a um método de fazer negócios. Assim métodos ou sistemas de tarifação não são patenteáveis: “as reivindicações foram redigidas como sistema mas na verdade elas nada mais são do que um método de negócios uma vez que o processo da transação no sistema alegado é executado por instruções armazenadas na memória para configurar os servidor que por sua vez execute as funções”. Segundo o guia “está bem estabelecido na lei que, nos casos de patenteabilidade, o foco deve estar na substância da invenção (underlying substance) e não na forma particular em que é reivindicada” . O guia cita como exemplos de métodos de negócios um método de troca de dados de enfermagem em um ambiente hospitalar conectado em rede, um método de identificação de compatibilidade de usuários em uma rede social, um método computadorizado para se calcular a dieta customizada para uma paciente utilizando-se de acesso a bases de dados, método de buscas textuais na internet utilizando-se de bases de dados (Yahoo v. Controlller and Rediff IPAB OA/22/2010/PT/CH de 8 de dezembro de 2011) [10]. Em Accenture Global servisse v. Assistant Controller IPAB OA/22/2009/PT/Del de 28 de dezembro de 2012 a Corte conclui: “o conceito inventivo é o mesmo para ambos conjuntos de reivindicações [...] Uma pessoa não pode e não deve mascarar uma reivnidcação de método como uma de sistema. A reivindicação de sistema é interpretada como nada mais que a citação do método de uma outra forma”. Métodos mentais como métodos de se jogar xadrez, métodos de ensino, de aprendizagem ou treinamento são excluídos de patenteabilidade. Um método para detecção de vulnerabilidades em um código fonte que consite na análise de variáveis do programa e que consiste na criação de modelos com características pré determinadas das variáveis para estudo da vulnerabilidades das rotinas do programa configura um programa de computador em si e como tal não patenteado. O guia afirma que reivindicações do tipo “meios mais funções” serão rejeitadas caso não apresentada as características estruturais de tais meios, no relatório descritivo.[11]
O simples fato de um programa de computador ser executado em um hardware não exime a possibilidade de ainda assim ser excluído de patenteabilidade, no entanto: “em um pedido para um novo hardware, a possibilidade de um programa de computador formar parte das reivindicações não está excluída. O examinador deve considerar como está integrado o novo hardware com o programa de computador. Ademais, se a máquina é específica para aquele programa ou se o programa é específico para aquela máquina é importante que seja avaliado [..] um programa que pode ser executado em qualquer computador de uso geral não atende às exigências da lei. Para avaliar a patenteabilidade de programas de computador em combinação com características de hardware, a porção do hardware tem de possuir algo mais do que uma máquina de uso geral. Nos casos em que a novidade reside no dispositivo, máquina ou aparelho e se tais dispositivos são reivindicados em combinação com programas de computador sejam eles novos ou já conhecidos para tornar tais dispositivos funcionais, as reivindicações de tais dispositivos podem ser consideradas patenteáveis”. O guia cita um exemplo de um método de otimização de desempenho de um computador cujos componentes foram identificados como sendo implementados exclusivamente por software o que levou ao Controller concluir se tratar de um programa de computador per se: “embora técnico no sentido de ser executado por meios técnicos dentro de um computador, eles constituem meramente em etapas de programação e a interrelação entre eles segue naturalmente o processo de automação e podem ser consideradas como soluções administrativas e não podem ser patenteadas”.



[1] ANIRUDH, K; ANJANAKSHI, V. Software Patents: An Indian Perspective, Law and Technology (LawTech 2006) https://www.actapress.com/PaperInfo.aspx?PaperID=28622&reason=500
[2] Technical applicability of the software claimed as a process or method claim, is required to be defined in relation with the particular hardware components. Thus, the “software per se” is differentiated from the software having its technical application in the industry. A claim directed to a technical process which process is carried out under the control of a programme (whether by means of hardware or software), cannot be regarded as relating to a computer programme as such. For example, “a method for processing seismic data, comprising the steps of collecting the time varying seismic detector output signals for a plurality of seismic sensors placed in a cable.” Here the signals are collected from a definite recited structure and hence allowable. Draft Manual of Patent Practice and Procedure the Patent Office, India, item 4.11.6
[3] http://www.patentoffice.nic.in/
[4] PAI, Yogesh Anand. Patent Protection for Computer Programs in India: Need for a Coherent Approach, The Journal of World Intellectual Property, v. 10, Issue 5, p.315-364, September 2007
[5] RAO, Dipak; GOPINATHAM, Siva. Argument rages on over software patents, 1 setembro 2009 http://www.managingip.com/Article/2282202/Argument-rages-on-over-software-patents.html
[6] MUELLER, Janice. The Tiger Awakens: The Tumultuous Transformation of India’s Patent System and the Rise of Indian Pharmaceutical Innovation, University of Pittsburgh Law Review, Vol. 68, No. 3, 2007 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=923538
[7] http://ipindia.nic.in/ipr/patent/DraftPatent_Manual_2008.pdf
[8] http://www.thehindubusinessline.com/todays-paper/tp-economy/article1658946.ece?ref=archive
[9] http://www.ipindia.nic.in/iponew/draft_Guidelines_CRIs_28June2013.pdf
[10] CHINGALE, Ravindra. Alice and software patentes: implications for India. Jornal of INtellectual Property Law & Practice, 2015, v.10, n.5, p.353-358
[11] BANERJEE, Someshwar. IPO releases draft guidelines for examination of computer-implemented inventions, 10/07/2013 http://www.iam-magazine.com/reports/Detail.aspx?g=43fa3027-262f-45c1-9102-8b1cf8456825 

terça-feira, 23 de junho de 2015

Patente de software na Inglaterra: o caso Lantana

Em Lantana Ltd. v. UK Comptroller General of Patents[1] de junho de 2013 a Corte reafirma os critérios de concessão de patentes implementadas por software. Seguindo HTC v Apple [2013][2] e Aerotel Ltd v Telco Holdings Ltd[3] a Corte refere-se as quatro etapas previstas no caso Aerotel. A patente GB1014714 refere-se a método, sistema e programa de computador para recuperação de arquivos em que um computador acessa dados de outro computador através da internet e que inclui o envio de um email com instruções de comando de computador que são identificadas e executados no computador receptor que, por sua vez, responde com outro email contendo o resultado da execução de tais comandos. O pedido de patente foi indeferido pelo escritório de patentes inglês por ser um programa de computador em si uma vez que foi encontrada anterioridade que igualmente envia comandos por emails a um computador remoto. A Corte conclui que o uso particular de sistemas de email, em uma época em que os sistemas de email já eram conhecidos, não configura qualquer contribuição tecnológica.
A Corte entende que o exame de patenteabilidade não possa depender do exame de novidade ou atividade inventiva: “não vejo sentido em discutir a contribuição de uma reivindicação que não possui novidade. O mesmo se aplica se a reivindicação é óbvia, novamente neste caso é difícil de imaginar que tipo de contribuição possa existir. Contudo, o fato da reivindicação ser nova e inventiva não é determinante se ela satisfaz o Artigo 52 da EPC. Ser novo e inventivo não é o que faz a contribuição residir numa área excluída de patenteabilidade nem tampouco o que produz um efeito ou contribuição técnica”. [4] Ainda segundo a Corte: “não há qualquer inconsistência em se aceitar algo como invenção nova e inventiva e descobrir que a contribuição que ele faz reside somente dentro de uma matéria excluída de proteção”.[5] Em Lantana v Comptroller-General of Patents [2014] EWCA Civ 1463 a Corte de Recursos que a destaca a importância de se considerar o contexto próprio da invenção na avaliação da contribuição técnica, passo essencial no critério em Aerotel ara se enquadrar o pedido como invenção: “não é permitido simplesmente cortar a reivindicação em pedaços e então analisar estes pedaços separadamente sem levar em conta o modo com que eles interagem entre si”.  [6]
Aplicando-se as quatro etapas previstas no caso Aerotel a Corte de Recursos entendeu que a transferência de dados em uma rede não está na lista de exclusões; a extração de dados de uma base de dados constitui um processo técnico assim como a transferência de dados entre computadores. A Corte, contudo, entendeu que a contribuição do pedido não possui natureza técnica. Os computadores propriamente ditos não operam de forma mais eficiente. Em segundo lugar o pedido se propõe a resolver um problema na comunicação de dados entre dois computadores continuamente conectados, no entanto, propõe como solução uma troca de mensagens por email claramente caracterizando uma conexão descontínua, ou seja, não se conseguiu a solução do problema existente em conexões contínuas, mas ao invés, contornou-se este problema com o uso de uma técnica de comunicação não contínua bem conhecida: o email. Não se observa portanto que a contribuição da solução proposta seja um efeito técnico considerado relevante, tampouco foi identificado um efeito técnico externo a estes dois computadores: “não há qualquer inconsistência em se aceitar a invenção reivindicada como nova e inventiva e se descobrir que a contribuição que ela faz reside unicamente dentro das matérias excluídas de patentes”. [7]



[1] [2013] EWHC 2673 http://www.bailii.org/ew/cases/EWHC/Patents/2013/2673.html
[2] HTC Europe & Co. Ltd. v Apple Inc.[2013] EWCA Civ 451, de 3 maio de 2013
[3] [2006] EWCA Civ 1371 cf. CORNISH, William, LLEWELYN, David. Intellectual property: patents, copyright, trademarks and allied rights. London: Sweet&Maxwell, 2007. p. 827
[4] CROUCH, Dennis. UK Take on Software Patent Eligibility: Claim Must include Feature that is both Technological and Innovative, 10/09/2013 http://www.patentlyo.com/patent/2013/09/uk-take-on-software-patent-eligibility-claim-must-include-feature-that-is-both-technological-and-innovative.html
[5] Manual of Patent Practice (MoPP), 2015, p. 46 https://www.gov.uk/government/publications/patents-manual-of-patent-practice
[6] Manual of Patent Practice (MoPP), 2015, p. 48 https://www.gov.uk/government/publications/patents-manual-of-patent-practice
[7] TUCK, Emma. Court of Appeal confirms that Lantana's software is not patentable. Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2015, v.10, n.4, p.230-232

domingo, 21 de junho de 2015

Produto obtido diretamente de processo patenteado

Embora a patente de processo não conceda proteção ao produto a LPI no artigo 42 inciso II prevê uma exceção a esta regra geral ao prever que a patente confere a seu titular direitos sobre o produto obtido diretamente por processo patenteado. No entanto o parágrafo segundo no mesmo artigo estabelece que “ocorrerá violação de direito da patente de processo, a que se refere o inciso II, quando o possuidor ou proprietário não comprovar, mediante determinação judicial específica, que o seu produto foi obtido por processo de fabricação diverso daquele protegido pela patente”. Se um concorrente implementar as mesmas etapas previstas na patente de processo necessariamente chegará ao mesmo produto e nesse sentido podemos dizer que a patente de processo protege o produto obtido diretamente pelo processo. Podemos dizer que com o processo já está protege esta proteção do produto obtido de processo patenteado é redundante. A patente de processo não protege o produto diretamente obtido independente do processo, ou seja, não se trata de uma proteção de produto absoluta. Um concorrente que comprove que chegou ao mesmo produto por processo distinto, não estará em contrafação com esta patente de processo.

Segundo o artigo 184 da LPI “Comete crime contra patente de invenção ou de modelo de utilidade quem: II - importa produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade ou obtido por meio ou processo patenteado no País, para os fins previstos no inciso anterior, e que não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento”, ou seja, é proibida a importação de produto por terceiros, obtido por processo patenteado no Brasil. Enquanto o artigo 42 limita os direitos da patente de processo apenas aos produtos obtido diretamente do dito processo, no artigo 184 o termo “diretamente” é suprimido o que sugere, segundo Dannemann, um alcance mais amplo para a regra, ou seja, o texto legal paradoxalmente acabou tendo os direitos do titular na esfera criminal mais amplos que na esfera cível. No entanto, tendo em vista que uma lei não pode ser contraditória, entende-se que a restrição do artigo 42 se aplique ao artigo 184, ou seja, uma patente de processo não confere proteção ao porduto caso o acusado de contrafação mostre que obteve este processo por um processo distinto do processo patenteado. O Acordo PLT que previa uma regra similar em suas primeiras minutas explica que o termo “diretamente” se restringe unicamente aos produtos que são resultado direto do dito processo. Um produto que exija etapas adicionais àqueles previstas no dito processo, embora utilizem o processo patenteado não estariam dentro do escopo desta patente de processo pois não podem ser vistos como um resultado direto do dito processo. [1]

Este dispositivo do artigo 42 da LPI está em conformidade com o artigo 5 quater da CUP: “quando um produto for introduzido num país da União no qual exista uma patente protegendo um processo de fabricação desse produto, o titular terá, com referência ao produto introduzido, todos os direitos que a legislação do país de importação lhe conceder, em virtude da patente desse processo, com referência aos produtos fabricados no próprio país”, ou seja, cabe a legislação do país dispor sobre os direitos do titular da patente de processo sobre o produto importado que tenha sido fabricado com o processo reivindicado[2]. Este produto, mesmo importado, é tratado como se estivesse sendo fabricado dentro do território brasileiro[3]. Bodenhausen destaca que este Artigo foi incluído na Revisão de Lisboa da CUP em 1958. A Assembléia propôs inicialmente que uma patente de processo de fabricação seria violada pela importação, venda ou utilização de produtos obtidos por esse processo e fabricados em outro país. A redação final, contudo, não contemplou esta proposta mais radical, e limitou a proteção apenas para os casos em que o produto seja fabricado no próprio país.[4]

O artigo 28 de TRIPs impede que terceiros realizem atos de uso, oferta para venda, venda ou importação do produto diretamente obtido de processo patenteado. O usuário de um processo é que tem o dever de provar que não está infringindo a patente, e não o autor da ação. A isto se chama "inversão do ônus da prova" (artigo 42 § 2o da LPI), que também está previsto no TRIPs (artigo 34).

Este problema desafiou a Lei alemã de 1877, que só concedida patentes aos produtos químicos. Se o processo for utilizado no estrangeiro, em particular em país que não exista patente, o titular da patente de processo ficaria desprovido da proteção face ao competidor importar o produto, o que levou a jurisprudência alemã a desenvolver a teoria da proteção indireta de produto: a patente de processo protege também o produto feito diretamente com ele[5].




[1] DANNEMMAN, SIEMSEN, BIGLER & IPANEMA MOREIRA, Comentário à lei de propriedade industrial e correlaatis, Rio de Janeiro:Renovar,2001, p.104
[2] Licitações, Subsídios e patentes, Denis Barbosa, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 1997, p.108
[3] apud Patentes de invenção: extensão da proteção e hipóteses de violação, Fernando Eid Philipp, São Paulo:Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p.143
[4] Guia para La aplicacion Del Convenio de Paris para La proteccion de La propriedad Industrial, revisado em Estocolmo em 1967, Bodenhausen, BIRPI, 1969, p.49
[5] Denis Barbosa, op.cit., p.108

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Patentes e start ups em software

Diego Useche[1] encontra uma correlação robusta entre a quantidade de pedidos de patentes de empresas e seu desempenho na IPO. Cada pedido de patente adicional antes do lançamento da IPO aumenta em 0,507% o capital captado na IPO se tomarmos em consideração os Estados Unidos e 1,13% para a Europa. Os resultados sugerem que um ambiente menos “amigável” para o depositante, como é o cenário europeu com uma política de concessão de patentes mais rigorosa do que nos Estadso Unidos e onde não existe benefícios para os titulares como o período de graça e a possibilidade de emendas nos pedidos através de continuations in part. Esta política mais rigorosa aumenta a credibilidade das patentes como sinais para o mercado e assim maior seu valor é percebido pelos investidores na IPO. A literatura tem apontado diversos fatores que influenciam o capital captado nas IPOs como o papel do capital de risco, alianças estratégicas das empresas, experiência tecnológica, status da empresa com a presença de laureados no Prêmio Nobel, o nível de internacionalização da empresa entre outros sinais que contribuem para aumentar a confiança dos investidores. As patentes na área de software, submetidas a diversas críticas, tem levantado dúvida sobre qual seu efeito nas IPOs, especialmente quase se leva em conta o curto ciclo de vida de tais tecnologias. 

Diego Useche em seu estudo analisa os dados de 476 empresas de software sendo 234 dos Estados Unidos e 242 da Europa, que lançaram IPOs entre 2000 e 2009 em bolsas como Nasdaq (US), AIM (UK), Euronet (FR), LSEx-OFEX (UK), NYSE (US) e Frankffurt (DE), levando em conta as patentes depositadas pelo menos quatro anos antes do lançamento da IPO. Os resultados mostram que empresas inovadoras com mais depósitos de patentes conseguem significativamente mais capital nas IPOs. Os dados mostram que 66% das empresas de software dos Estados Unidos e 23% das européias depositaram ao menos uma patente no período considerado. O maior número de patentes das empresas norte americanas sugere que o comportamento da política de patentes é maior para estas empresas, no entanto o impacto econômico maior é proporcionado entre as empresas européias. Não há, contudo, uma correlação deste dado com um menor índice de qualidade de patentes seja medido em termos de citações recebidas pela patente ou por um maior número de pedidos na família. Os resultados mostram que os investidores não são influenciados com fatores como qualidade das patentes e nem como aferir este parâmetro de forma objetiva. As médias das IPOs nos Estados Unidos foi de 158 milhões de euros e de 69 milhões de euros na Europa, o que sugere que cada nova patente representa um acréscimo de 800 mil euros e 774 mil euros respectivamente. As empresas europeias, portanto, conseguem quase o dobro dos resultados que as empresas norte americanas com o uso de suas patentes.

Um estudo de Ronald Mann[2] realizado em 2007 numa amostra de 877 empresas de software financiadas por capital de risco entre 1997 e 1999 conclui que apenas 9% das empresas obtiveram uma patente antes de seu primeiro financiamento, muito embora outras possam ter depositado uma patente que à época ainda não havia sido concedida. Até 2005 cerca de 24% das empresas possuíam ao menos uma patente concedida. Segundo Ian Maxwell[3] estes dados coincidem com o índice de 30% das empresas de software da lista das 500 maiores empresas do setor nos Estados Unidos, igualmente possuem ao menos uma patente. Segundo Ronald Mann empresas start ups com patentes receberam 73% mais financiamento do que aquelas sem patentes. Empresas sem patentes tem duas vezes mais chances de quebrar comparadas com as empresas com patentes. Cerca de 13% das empresas com patente no estudo fizeram oferta pública de ações (IPO) comparada com apenas 3% das empresas sem patentes, ou seja, as empresas com patentes tem quatro vezes mais chances de fazerem uma IPO. Ian Maxwell conclui que os dados mostram que empresas com patentes representam uma melhor oportunidade de investimentos.
Enquanto nos Estados Unidos patentes são apontadas como um importante instrumento para atração de capital de risco no Brasil esta forma de financiamento ainda é limitada. No Brasil, a formação de investimentos de capital de risco iniciou-se com suporte do BNDESPAR após a estabilização monetária, com forte expansão no período 1999-2001, com o boom da internet. O pico ocorreu em 2000, quando 13 organizações entraram no mercado[4], movimentando algo em torno de 1 bilhão de dólares, seguido de uma retração em função do estouro da “bolha da internet[5] . O BNDES conta com o Programa BNDES para o Desenvolvimento da Indústria Nacional de Software e Serviços de Tecnologia da Informação - BNDES Prosoft.[6] A Senior Solutions que atua no setor de finanças, por exemplo, possui entre os seus sócios o BNDES e o Fundo Stratus de capital de risco. Embora desenvolvido seguindo os moldes do mercado norte-americano notam-se diferenças marcantes como por exemplo, quanto à cultura empresarial, o pequeno desenvolvimento do mercado de ações e quase ausência de IPOs (Initial Public Offerings) considerados elementos fundamentais para um mercado de capitais de risco eficiente[7].
Nos últimos anos a Totvus, Positivo Informática, Senior Solution e Linx abriram o capital na Bolsa nos últimos anos. Outras empresas de tecnologia da informação se preparam para seguir o mesmo caminho em 2014, entre as quais a Quality Software (terceirização de infraestrutura em TI), BRQ IT Services, Altus, BSI Tecnologia e Cast Informática. A empresas tem a possibilidade de captar recursos por meio de fusões ou aportes de capital. [8] A BNDESPar tem atualmente investimentos em 30 empresas de TI entre as quais a BRQ IT Services e a Quality Software.
O VentureForum organizado pela FINEP em diversas edições foi responsável pelo financiamento de diversas empresas no setor de software como a AQX (instrumentos de digitalização de sinais elétricos), Delsoft (gestão integrada), Edusoft (gestão escolar), Massa (sistema de processamento de sinais por exemplo em ferrovias), Mediasoft (sistemas de realidade virtual), Pixeon (gerenciamento de imagens médicas), Totall.com (sistemas ERPs), Wiaxis (sistemas financeiros em PDAs)[9]. A 12ª edição do Seed Venture Forum foi realizada em maio de 2012 em Porto Alegre com a participação de empresas na área de TI como Aquiris (videogames), Cliever (impressoras 3D), Fluid Objects (aplicativos para tablets), Interage (computação em nuvem), Neteye (software de segurança), Superplayer (download de música digital), Smartcom (pagamento eletrônico), Trevisan Tecnologia (ERPs). Segundo Antonio Botelho no período de 200 a 2002 um total de 33 empresas de software receberam investimentos de capital de risco através da FINEP[10].

Com o objetivo de capitalizar empresas brasileiras inovadoras via fundos de Venture Capital, a Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital – (ABVCAP) realiza entre junho e agosto de 2012, em parceria com a Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro (SOFTEX), uma série de eventos com a presença de especialistas da área. A iniciativa percorrerá as cidades de São Carlos (junho), Porto Alegre (julho), Florianópolis (julho), Belo Horizonte (agosto) e Fortaleza (agosto).[11] O JáComparou, empresa brasileira pioneira na comparação de serviços de Telecomunicações, anunciou que recebeu em maio de 2012 um investimento minoritário de dois investidores anjo da Gávea Angels do Rio de Janeiro, mais antigo (2002) e principal grupo de investidores anjo do país, e da empresa de participações Argotec, de São Paulo.[12]

A Revista Exame em 2012 fez um levantamento de startup promissoras no Brasil destacando na área de software o site Meu Carrinho de André Nazareth, as empresas Lemon de Bel Pesce, a Viajanet de Bob Rossato, o Portal Minha Vida de Daniel Wjuniski, Acesso Digital de Diego Martins, MundiPagg de Fabio Barbosa, Kekanto de Fernando Okumura, Fashino.me de Flávio Pripas, Ingresse de Gabriel Benarros, Sambatech de Gustavo Caetano, IDXP de Gustavo Lemos, Aorta de Gustavo Ziller, ToLife de Leonardo Lima Carvalho, PagPop de Marcio Campos, B2Blue de Mayura Okura, ClearSale de Pedro Chiamulera, 21212 de Rafael Duton, LikeStore de Ricardo Grandeneti, Moovia de Rodrigo Griesi, Cliever de Rodrigo Krug, EasyTaxi de Talles Gomes.[13] Muitas destas empresas conseguiram atrair capital de risco. Não foi identificado entre os casos de empresas brasileiras que recorreram a capitais de risco a utilização do sistema de patentes como instrumento para atração de investidores. Em novembro de 2012 o Ministério da Ciência , Tecnologia e Inovação lançou o Programa Startup Brasil, com o objetivo de apoiar nascentes de base tecnológica.[14]

O CESAR Centro de Estudos de Softwares Avançados do Recife sediado no porto digital de Recife desenvolve projetos, com incentivos da Lei de Informática, nas áreas de telefonia móvel celular, eletrônica embarcada, automação bancária e comercial e parceria com a Motorola para o desenvolvimento de videogames para celulares. O CESAR possui pedido de patente PI0700729 referente a certificação digital, que foi arquivado.[15] O professor Nivio Ziviani do Departamento de Ciência da Computação da UFMG participou ativamente da fundação de três startups nascidas na UFMG na área de buscadores da Internet. Fundada em 1998 a Miner Technology Group com seu buscador conhecido como MetaMiner após 14 meses de existência foi vendida ao Grupo Abril/Folha de S. Paulo/UOL em junho de 1999.[16] Em 2000 foi criada a Akwan viabilizada devido à atuação de investidores angels que realizaram aportes financeiros na empresa na forma de capital semente (seed money) com modelo de negócios baseado em tecnologias proprietárias para prover serviços de localização de informação na Internet. Em julho de 2005 a Akwan foi comprada pelo Google. [17] A Zunnit Technologies é uma empresa de tecnologia da informação, também com origem no Departamento de Ciência da Computação da UFMG e fundada em outubro de 2009, cujo foco é a pesquisa e o desenvolvimento de sistemas de recomendação para e-commerce e provedores de conteúdo. Um acordo possibilita a transferência do conhecimento gerado no Laboratório para Tratamento da Informação (Latin) do Departamento de Ciência da Computação, coordenado pelo professor Nivio Ziviani para a Zunnit, em contrapartida a uma remuneração com usufruto de 5% das ações da empresa devida à UFMG[18]. Nestas três experiências o professor Nivio Ziviani informa que apesar de usar modelos proprietários, não fez uso do sistema de patentes por entender que os ciclos de vida de tais tecnologias são muito curtos comparados com o tempo de tramitação de uma patente.[19]

A Nearbytes startup carioca criada em 2012 desenvolveu tecnologia que permite transmitir dados codificados em ondas sonoras, ideia que permitiria a interação até mesmo entre dispositivos móveis mais antigos e acessíveis . A empresa participa em maio de 2014 de encontro promovido pela U-Start, boutique advisory para investidores europeus. A tecnologia patenteada foi criada para preencher uma grande lacuna existente na interação entre dispositivos: a comunicação por proximidade. Comunicação por proximidade implica que dois dispositivos possam facilmente identificar que estão próximos e trocar informações entre si sem necessariamente estar online.[20]



[1] USECHE, Diego. Are patents signals for the IPO market ? An EU-US comparison for the software industry, Research Policy, maio 2014
[2] MANN, Ronald; SAGER, Thomas. Patents, venture capital, and software start-ups, Research Policy 36 (2007) 193–208
[3] MAXWELL, Ian. Many start-up entrepreneurs think that patents are a waste of time; the data suggests otherwise. 07/06/2014 http://startup88.com/opinion/2014/06/07/many-start-up-entrepreneurs-think-that-patents-are-a-waste-of-time-the-data-suggests-otherwise/4697
[4] http://www.venturecapital.com.br/
[5] ANSELMO, Jefferson Leandro; GARCEZ, Marcos Paixão; SUSSMANN, Antonio Gustavo. O panorama brasileiro do capital de risco: características, evolução histórica e perspectivas. In: SANTOS, Silvio Aparecido; CUNHA, Neila Vianna. Criação de empresas de base tecnológica: conceitos, instrumentos e recursos. Maringá:Unicorpore, 2004, p.129
[6] http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Inovacao/Prosoft/index.html
[7] CHESNAIS, François; SAUVIAT, Catherine. O financiamento da inovação no regime global de acumulação dominado pelo capital financeiro. In; LASTRES, Helena; CASIOLATO, José; ARROIO, Ana. Conhecimento, sistemas de inovação e desenvolvimento, UFRJ:Rio de Janeiro, 2005, p. 204
[8] BOUÇAS, Cibelle. Empresas de TI se preparam para uma nova onda de IPOs. Valor Econômico, 29/10/2013 Valor Econômico, p.B9
[9] http://www.venturecapital.gov.br/vcn/historico_seed_01.asp
[10] BOTELHO, Antonio. The Brazilian Software Industry. In: ARORA, Ashish, GAMBARDELLA, Alfonso. From underdogs to tigers: the rise and growth of the software industry in Brazil, China, India, Ireland and Israel. Oxford University Press, 2005, p.111
[11] http://itweb.com.br/voce-informa/abvcap-e-softex-promovem-eventos-para-difundir-o-venture-capital-no-setor-de-ti/
[12] http://www.softex.br/_mercado/mercado.asp?id=4200
[13] http://exame.abril.com.br/pme/noticias/45-startups-brasileiras-de-futuro
[14] http://startups.ig.com.br/programa-start-up-brasil/
[15] http://www.cesar.org.br/site/files/uploads/2010/01/manual_howto_port_final210909.pdf
[16] ZIVIANI, Nivio. A Família Miner. https://www.ufmg.br/boletim/bol1270/pag2.html
[17] DEUTSCHER, José Arnaldo. A geração de riqueza a partir da universidade: o caso da Akwan. http://homepages.dcc.ufmg.br/~nivio/papers/inteligenciaempresarial.pdf
[18] https://www.ufmg.br/online/arquivos/021897.shtml
[19] XXXII Congresso da Sociedade Brasileira de Computação, Curitiba, 2012 Painel 1:Computação e Inovação: Ampliando Fronteiras para Solução de Desafios no Brasil, 16/07/2012 http://www.imago.ufpr.br/csbc2012/CSBC-programacao.pdf
[20] http://www.tecmundo.com.br/tecnologia/50168-nearbytes-a-tecnologia-brasileira-que-esta-fazendo-barulho-literalmente-.htm
http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/nova-tecnologia-permite-envio-de-dados-por-assobio
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=36006&sid=3#.UyuoyfldXd4
http://nearbytes.com/br/technology.php

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Patentes e inovação na indústria software

Um relatório da OECD de final dos anos 90 mostra que de cerca de 30% da P&D realizada em todas as indústrias era relacionada a software o que mostra o caráter pervasivo da tecnologia da informação. Segundo Dominique Gullec banir patentes sobre qualquer tecnologia relacionada com software significaria excluir o sistema das tecnologias mais dinâmicas restringindo sua relevância aos campos tecnológicos mais tradicionais como mecânica e química.[1] 

Porque há um receio de que a patenteabilidade de invenções implementadas por software possa inibir a inovação no setor e também possa impedir o crescimento do setor software livre. Alguns críticos quando do aumento dos depósitos de patentes no setor software iniciou sua ascenção no início dos anos 1990, anunciaram que as empresas norte americanas de software em breve perderiam seu impulso inovador, e que estaríamos diante de um desastre nas mesmas proporções do que ocorreu com a petroquímica Union Carbide em Bhopal na Índia, em 1984, conforme declarações de Mitch Kapor da Electronic Frontier Foundation[2].
Passados mais de 20 anos e com o número cada vez maior de depósitos de patentes no setor, tais profecias apocalípticas de perda de dinamismo e falta de inovação não se confirmaram[3]. Com relação a crítica de que um número maior de patentes tem levado a perda de inovação e gastos em P&D nos Estados Unidos, observa-se que em seu artigo de 2000, que na Figura 6 James Bessen mostra decréscimo nos gastos em inovação da indústria de software no final dos anos 1980 início dos anos 1990. No entanto com relação à indústria em geral dados do NSF mostram a evolução dos gastos totais de P&D (incluindo investimentos públicos e privados) nos Estados Unidos em valores atualizados em 2005.


Figura 1 Gastos totais de P&D nos Estados Unidos em valores atualizados de 2005. Fonte: NSF, 2012

Ronald Mann[4] com base em dados do U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) e da National Science Foundation (NSF) critica os dados de Bessen que argumentam que os gastos em P&D da indústria de software declinaram no mesmo período em que aumentaram os litígios, como prova do impacto do patent thicket. Ronald Mann observa que a maior parte dos dados de Meurer são de grandes empresas (Ford, General Electric, Mitsubishi, Matsushita) que não tem o software como representativo de suas operações. Os dados da NSF mostram que a intensidade de gastos em P&D da indústria de software (NAICS code 5112) foi de 19.3%, 20.0%, 16.8% e 20.5%, para o período 1997-2000, muito acima da média da indústria no mesmo período (3.6%).
Em muitos casos os litígios mostram que o escopo das patentes é facilmente contornado. A Barnes & Noble bastou alterar seu site para o usuário clicar duas vezes para deixar de configurar contrafação da patente one click shopping da Amazon pois no entendimento da Corte Distrital a ação de compra em um único clique deveria ser contada a partir do momento em que é apresentado ao usuário o item a ser comprado. O Federal Circuit posteriormente entendeu esta interpretação bastante restritiva, o que poderia portanto, incluir outras situações em que o produto a ser comprado é exibido na tela.[5] Linus Torvalds questionado em 1994 se as patentes que atingem o kernel do Linux ofereciam algum risco respondeu que se necessário simplesmente reescrevia o código para escapar do problema[6]
Os dados de Bessen e Meurer alimentaram toda uma literatura crítica do sistema de patente que adotaram os resultados de sua pesquisa sem maiores críticas a metodologia empregada. Não há provas empíricas de que a supressão do sistema de patente necessariamente conduziria a mais inovação. Adam Jaffe conclui que o reforçamento do sistema de propriedade intelectual no final do século XX em meio a grande inovação tecnológica se revelou como um instrumento de incentivo à inovação. Ao contrário das conclusões de Bessen e Meurer, que alegam redução de investimentos em P&D por conta de maiores gastos com litígios, o reforçamento da propriedade industrial em 1980-1995 foi acompanhado de aumento nos gastos de P&D que se refletiu no maior número de patentes no período. As mudanças do marco legal neste período como o Bayh-Dole Act, criação das CAFCs e TRIPs apenas reforçaram esta tendência de aumento no número de patentes.[7]
Segundo Marc Lemley considerando os gastos de US$ 20 mil para manutenção de uma patente e que 50 mil patentes são concedidas anualmente, isto equivaleria, grosso modo a um custo anual de 1 bilhão apenas para manter o sistema quanto a taxas administrativas, o que segundo os autores configura um sistema de política de inovação bastante ineficiente quando comparado a outros programas como isenção de impostos e subsídios a programas de P&D.[8] Não há dúvidas de que os custos de manutenção do sistema de patentes são elevados mas os dados de Bessen e Meurer parecem superestimados. Josh Lerner[9] estima que em 1991 estima em 1 bilhão de dólares os custos com litígios de patentes (para todas as indústrias) ao passo que Bessen e Meurer no mesmo ano avaliam em US$ 2 bilhões os mesmos gastos sem levar em conta a indústria química e de medicamentos. Estes valores mostram que as estimativas de Bessen e Meurer estão superestimadas.
Ziedonis[10] critica a abordagem de Meurer e Bessen de considerar o sistema falho uma vez que o prejuízo causado pelos litígios é maior do que o lucro auferido pelo licenciamento de patentes, uma vez que o estudo não leva em conta vários efeitos indiretos que contribuem para a inovação, por exemplo: i) a revelação de invenções patenteadas, de outra forma mantidas sobre segredo industrial, estimula o desenvolvimento de novas invenções, de modo que outras empresas conseguem lucrar com patentes de terceiros, ii) Os cálculos dos autores não levam em conta os acordos entre empresas, em que os termos na grande maioria dos casos não é revelado, iii) patentes aumentam as perspectivas de empresas pequenas em atraírem capital de risco.
Ziedonis mostra dados do NSF que indicam que a participação das pequenas empresas no investimento industrial de P&D nos Estados Unidos aumentou de 5% em 1981 para cerca de 25% em 2003, o que diverge das conclusões de Meurer e Bessen de que a existência de um patent thicket inibiria os esforços de P&D de pequenas empresas. Outro efeito ignorado pelos autores é o incremento de investimento de capital de risco especialmente em empresas startup de software, assim como o papel das patentes na atração destes investimentos, o que contraria a tese de que este setor estaria cada vez mais monopolizando as inovações em torno de grandes empresas. Enquanto em 1995 cerca de 40% empresas financiadas por capital de risco eram titulares de patentes, este percentual cresceu para 80% em 2002. Ademais os autores não apresentam nenhuma evidência de que sem patentes o ritmo de inovação das empresas seria mais elevado do que observado atualmente, ainda que com as imperfeições existentes.
Robert Merges argumenta que o que se observou após o incremento dos depósitos de patentes relacionadas a software após os anos 1990 foi que isto não inibiu a entrada de novas empresas no setor. As firmas já estabelecidas ao invés de acumularem patentes fracas, tem se concentrado em aumentar a qualidade de seu portfolio de patentes. A indústria de software ainda se encontra altamente diversificada com índice de concentração menor do que outros segmentos da indústria. A lista das maiores empresas no setor software tem se renovado com tempo, ao invés de estabilizar posições monopolistas. Um exemplo marcante deste efeito foi o surgimento de empresas como Google, Yahoo e Amazon, que em poucos anos desbancaram empresas consolidadas no mercado. [11] Além de não haver sinais de aumento de contração a rotatividade ainda é bastante elevada: das dez maiores líderes do setor em 1990, apenas cinco se mantinham no setor em 2000. Enquanto em 1990 foram registradas 358 novas start ups em software este número manteve-se crescente até 1996 com 497 start ups, ou seja, não há sinais de que a entrada de novas empresas esteja sendo inibida pela existência de patentes. Mesmo após a ocorrência da bolha em 2000 no setor o ritmo manteve-se estável nos anos seguintes até 2005. Os investimentos em P&D que em 1986 era estimado em 1% dos gastos totais domésticos em P&D, chegavam a índice de 10% em 2000.
Estudo de Stuart Graham e David Mowery mostra que as grandes usuárias do sistema de patentes na área de software continuam sendo as empresas que trabalham com hardware ou software embarcado. Mesmo excluindo a Microsoft da análise, a existência de patentes pelas empresas não aponta indícios de perda de inovação destas empresas, ao contrário[12]. Os autores concluem que é difícil encontrar uma correlação positiva ou negativa clara entre patentes e inovação no setor software dos EUA. 

Críticos como Richard Stallman argumentam que “Imagine que em um país, qualquer melodia que pudesse ser descrita em palavras fosse patenteada. Você poderia patentear as notas, as sequências de notas, os instrumentos e as harmonias. Como seria compor num ambiente como este? Impossível, sem ser processado”. Segundo Stallman na programação o processo é similar. As pessoas utilizam as ideias umas das outras para criar novos projetos, novos programas[13]. Esta característica de interdependência contudo está presente em todas as tecnologias. Por outro lado, o fato de haver processos patenteados, implica em que não parece razoável excluir da patenteabilidade apenas aqueles processos implementados por programa de computador. Esta característica de complementaridade contudo, não é específica do software, diversas outras tecnologias possuem esta características e tem sido objeto de patentes por décadas. Estima-se que a criação do primeiro automóvel operacional envolveu mais de 100 mil patentes. Entre estas invenções podemos citar o volante de Alexander Winton (1899), o carburador de Donald Banki (1893), o freio de conta de Gottlieb Daimler (1899), o freio a disco de William Lanchester (1902), a transmissão automática de Thomas Sturtevant (1904) entre tantas outras invenções no setor[14]. 

Para Merges as grandes empresas detentoras de ativos de propriedade intelectual não impedem o trabalho criativo, pelo contrário são compradoras de vários produtos especializados fornecendo mercado para indústrias de criação assim como constituem incubadoras de novas startups tecnológicos.[15] O trabalho destas pequenas empresas que se forma como parte do “ecosistema” de uma grande empresa como Microsoft continua exercendo um papel importante do cenário global de inovação.[16] Para Merges o novo modelo colaborativo de criação proporcionado pela internet não necessariamente entra em conflito com as formas tradicionais de proteção à propriedade intelectual. A opção de abrir mão de seus direitos de propriedade constitui uma característica central de qualquer sistema de propriedade, ou seja, somente pode abrir mão do controle de algo quem detêm este controle. [17] Para Merges uma característica central dos sistema de propriedade intelectual no mundo digital é o fato de face as dificuldades ide se detectar situações de contrafação e custos de transação para ações judiciais muito titulares de direito não exercerem seus direitos de forma sistemática (systematic nonenforcement)[18]



[1] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.127
[2] SHULMAN, Seth. Owning the future, Houghton Mifflin Company, Boston, 1999, p.70
[3] The use of Intellectual Property in software: implications for Open Innovation. Stuart Graham, David Mowery, 2006. http://www.openinnovation.net/Book/NewParadigm/Chapters/09.pdf; MERGES, Robert. Patents, entry and growth in the software industry, 2006, working paper.; BESSEN, James; MEURER, Michael. Patent Failure: How Judges, Bureaucrats, and Lawyers Put Innovators at Risk. Princeton University Press, 2008, p. 2109/3766 (kindle version)
[4] MANN, Ronald. The Myth of the Software Patent Thicket: An Empirical Investigation of the Relationship Between Intellectual Property and Innovation in Software Firms, Texas: Texas University, 2004. http://law.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1058&context=alea
[5] LUNDBERG, Steven; DURANT, Stephen; McCRACKIN, Ann. Electronic and software patents. The Bureau of National Affairs, 2005, p.11-27
[6] LEITH, Philip. Software and Patents in Europe, Cambridge:Cambridge University Press, 2007, p.95
[7] JAFFE, Adam. The US Patent system in transition: policy innovation and the innovation process. Research Policy, v.29, n.4-5, p.540 http://papers.nber.org/papers/w7280.pdf
[8] LEMLEY, Mark. Rational Ignorance at the Patent Office. Northwestern Law Review, v.95,n.4,p.1495-1532, cf. BESSEN, MEURER.op.cit.p.2431/3766 (kindle version)
[9] LERNER, Josh. Patenting in the shadow of competitors. Journal of Law and Economic v.38 out. 1995, p. 463-495
[10] ZIEDONIS, Rosemarie. On the apparent failure of patents. a response to Bessen and Meurer, Academy of Management Perspectives. november 2008, p.21-29
[11] MERGES, Robert. Patents, Entry and Growth in the Software Industry, 2006 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=926204
[12] Intellectual Property Rights in Frontier Industries: software and biotechnology, Robert Hahn, Washington:AEI Brookings, 2005, p. 73
[13] Stallman: patentes travam o desenvolvimento de software, Mídia Eletrônica: Portal RBS -http://www.clicrbs.com.br/ Guilherme Neves acesso em julho de 2009
[14] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 499
[15] MERGES, Robert. Justifying Intellectual Property. Harvard University Press, 2001
[16] IANSATI, Marco; LEVIEN, Roy. The keystone advantage: whar the new dynamics of business ecosystems means for strategy, innovation and sustainability, Boston: Harvard Scholl Press, 2004. Cf. MERGES, Robert. Justifying Intellectual Property, Harvard University Press, 2011, p. 3024/6102 (kindle version)
[17] MERGES, Robert.op.cit.p.3324/6102
[18] MERGES, Robert.op.cit.p.3744/6102