quinta-feira, 28 de maio de 2015

Patentes e Inovação na União Soviética comunista

No passado, em países de economia planificada, com reduzida competição entre os agentes econômicos a inovação era prejudicada e, portanto, o sistema de patentes tinha um papel reduzido neste cenário. Na China o período de economia planificada de Mao Tsé Tung enfraqueceu bastante os incentivos para a inovação no país, por exemplo, o país importou na década de 1950 o desenho e linhas de montagem de caminhões da União Soviética (modelo Liberation Truck) sendo incapaz de promover qualquer aperfeiçoamento durante os quarenta anos em que foram produzidos. [1] A lei de patentes de 1950 seguia o modelo russo de certificados de invenção, porém com pouco efeito prático: de 1950 a 1963 apenas seis certificados de invenção e quatro patentes foram concedidas na China. [2]

Na URSS os inventos eram colocados a disposição das empresas estatais para sua exploração enquanto aos inventores cabia o direito a um certificado de autor de invenção que não lhe conferia qualquer direito material mas apenas o reconhecimento de um direito moral de ser reconhecido como inventor. Este procedimento foi introduzido por Lenin em seu Decreto sobre invenções de 30 de junho de 1919. Antes da Revolução de 1917 a Rússia, um país essencialmente agrário, possuía uma lei de patentes em vigor desde 1896 aos moldes da legislação alemã.[3] O novo regime de junho de 1919 confiscou ou nacionalizou todas as patentes até que em 1924 com o Nova Política Econômica (NEP) a legislação soviética introduziu os certificados de autor (avtorskoie svidetels’va)[4], mas ainda assim a legislação tinha muitos pontos em comum com a legislação alemã. A NEP foi adotada diante do fracasso da política anterior baseada no controle do fluxo de produção das próprias fabricas. Com a NEP foram introduzidos mecanismos de mercado a parcial reconstituição do capitalismo com a reabertura do comércio a varejo à propriedade e operações particulares sem o controle rígido de produção pelo Estado. A indústria em pequenas escala também retornou á propriedade privada. O período  liberal da NEP se encerrou em 1927 de modo que uma nova lei de patente foi promulgada em 1931 que conferir ao inventor a possibilidade de solicitar uma patente submetida as restrições de exploração governamentais ou solicitar um certificado de autor reivindicando uma recompensa por sua invenção no caso da mesma ser explorada pelas cooperativas comunais.[5] Nos anos 1960 alguns países socialistas abandonaram o sistema de certificados de autor ou o modificaram substancialmente. A Hungria o aboliu em 1957 e a Iuguslávia em 1960. A Alemanha Oriental instituiu as denominadas “patentes econômicas” e as “patentes exclusivas”.[6]

Segundo Nuno Carvalho como base nestas patentes o governo soviético em apenas três anos chegou a depositar mais de trinta e cinco mil pedidos de patentes em outros países. Por esta razão que a Revisão de Estocolmo da CUP em 1967 inclui no Artigo 4(I) os certificados de autor de invenção como válidos para fins de reconhecimento do direito de prioridade[7]. Na Revisão de Lisboa em 1958 a proposta foi apresentada pela Romênia porém a delegação de Israel foi contra a introdução no texto da CUP dos certificados de adição por entender que eram contrários a noção de uma patente e constitua na verdade na renúncia de um direito exclusivo. A Romênia contra argumentou que  inventor era reconhecido pela autoria e era recompensado com um prêmio proporcional aos efeitos econômicos da invenção e portanto não havia qualquer abandono de direitos. Bulgaria, Tchecoslováquia e Hungria apoiaram a Romênia, enquanto os Estados Unidos numa posição conciliatória sugerir a inclusão no texto do artigo 4º da Convenção ao invés do artigo 1º deixando a questão para ser decidida na próxima Revisão da CUP.[8] Uma das Revisões da CUP nos anos 1970 tentou sem sucesso conceder igual status dos certificados de autor de invenção às patentes, o que significaria que um país poderia deixar de conceder patentes enquanto seus nacionais pela CUP continuariam com o direito de solicitar patentes nos países estrangeiros, evidenciando falta de reciprocidade uma vez que os ditos certificados não conferem os mesmos direitos que os de uma patente.[9] Em 1991 a Rússia aboliu os certificados de inventor. [10]

Mikhail Gorbachev diante do estado obsoleto da indústria soviética argumentava pela necessidade de uma reconstrução econômica (perestroika) que conferisse maior autonomia econômica das empresas rompendo os entraves à inovação tecnológica de um sistema de planejamento rigidamente centralizado e sem concorrência: “é um contra-senso que muitas conquistas dos cientistas soviéticos[11] fossem introduzidas no Ocidente com muito mais rapidez do que em nosso próprio país, como por exemplo, linhas de transportadores rotativos.[12] Também fomos lentos em outras situações. Fomos os primeiros a inventar a fundição contínua do aço. O que decorreu disso? Agora oitenta por cento do aço produzido em alguns países é fundido por nosso método; porém esse percentual é muito menor em nosso próprio país. O caminho de uma descoberta científica e sua aplicação nos modos de produção em nosso país é longo demais. Isso capacita os industriais de empresas estrangeiras a fazer dinheiro com ideias soviéticas. É lógico que tal situação não nos satisfaz” [13].

De 1928 a 1932 foi elaborado o primeiro Plano Quinquenal com ênfase no incremento da produção na indústria pesada. O planejamento centralizado trazia contudo diversas dificuldades de operacionalização e sincronização da produção de diferentes cadeias industriais, por exemplo: “A fábrica da Bielorússia que tem 227 fornecedores parou sua linha de produção em 1962 por 17 vezes devido à falta de componentes de borracha 18 vezes devido à falta de mancais de rolamento e 8 vezes devido á falta de peças de transmissão”. O fabricante tem, portanto, pouca margem para por iniciativa própria buscar inovações tecnológicas que no final das contas contribuirão para um desequilíbrio no sistema. Um sistema de gratificações chegou a ser adotado para os que excedessem sua produção mas isso frequentemente levava a perda de qualidade dos produtos para o alcance de metas.[14] Ademais o controle excessivo do Estado exigia uma máquina administrativa burocrática que travava os mecanismos de inovação. Segundo Oskar Lange: “O real perigo do socialismo é a burocratização da vida econômica”.[15]

 Peter Gatrell considera desigual o papel da tecnologia no desenvolvimento industrial soviético entre 1885 e 1941. Alguns setores como siderúrgico, químico, armamentos e geração de energia houve a adoção de tecnologia moderna, contudo em setores como construção e principalmente agricultura houve poucos sinais de inovação tecnológica[16] Trofim Lysenko como diretor do Instituto de Genética da Academia de Ciências da URSS adotou doutrinas antimendelianas que foram inseridas na ciência e educação soviéticas e protegidas por meio da força e influência política. Em seu trabalho de “vernalização” as sementes nascidas no outono eram imersas em água e depois congeladas, o que resultava em uma germinação mais rápida. O processo já era conhecido no século XIX. Quando Lissenko fez experiências com o trigo de inverno obteve sucesso, e mesmo as sementes plantadas na primavera amadureciam antes da chegada das geadas de outono. Ao fazer experiências com o trigo da primavera, Lissenko assumiu como fato que as mudanças induzidas pela vernalização tinham sido herdadas pelas gerações subseqüentes das plantas. A aplicação desta doutrina levou a grandes perdas na agricultura soviética. Esse premissa era compatível com o pensamento marxista de que o meio ambiente e não a hereditariedade é o aspecto fundamento para transmissão das características herdadas pelos seres vivos. Para Lissenko seria possível produzir novas espécies de plantas apenas com a mudança de seus nutrientes. Famosos geneticistas soviéticos defensores das teses de hereditariedade mendeliana foram presos como por exemplo o cientista russo Nikolai Vavilov levado à prisão em 1941 onde veio a falecer dois anos depois. [17]

Alguns desenvolvimentos de cientistas soviéticos vieram a ser concluídos no Ocidente. Vladimir Zworykin desenvolveu em conjunto com seu professor de Engenharia na Universidade de São Petersburgo um televisor rudimentar no início do século XX. Zworykin que chegou a prestar serviço no exército russo como oficial de transmissões na I Guerra mundial foi aluno de Boris Rosing em S. Petersburgo, hoje Leningrado. [18]Com a Revolução Russa, Zworykin emigrou para os Estados Unidos onde trabalhando na Westinghouse e depois na RCA viria a desenvolver o iconoscópio precursor dos televisores comerciais, tendo patenteado em 1923 o iconoscópio. [19] O engenheiro russo Igor Sikorsky realizou suas primeiras experiências com helicópteros em 1908 quando tinha 19 anos. Durante a Revolução de 1917 emigrou para os Estados Unidos onde projetou aviões e fundou a empresa Vought-Sikorsky que empregava sobretudo russos. Em 1939 concebeu o VS-300 a configuração moderna do helicóptero com um rotor principal e um pequeno rotor na cauda, a chave para resolver o problema de torque dos modelos da época. [20]Na indústria de armamentos o russo Mikhail Kalashnikov criador do fuzil AK47 comercializado a partir de 1947 não obteve qualquer retorno financeiro de sua invenção, embora existam cerca de 100 milhões de rifles de assalto originados do AK-47 [21]. O modelo anterior AK-46 apresentava falhas técnicas. Kalashnikov e seu companheiro designer Zaitsev decidiu reformular completamente a concepção, com o uso de soluções técnicas bem sucedidas emprestadas de várias armas, incluindo seus concorrentes diretos como o modelo AB Bulkin-46, o Sudaev AS-44, o rifle de caça Remington modelo 8 projetado por Browning, entre outros. Essa cópia de ideias foi incentivada pelo governo soviético, pois toda a propriedade intelectual na URSS era considerada propriedade do ‘povo’, ou do Estado. Assim, todas as empresas estatais deveriam utilizar-se das propriedades intelectuais existentes. E a criação de um novo fuzil de assalto mais eficaz para o vitorioso Exército Soviético estava certamente no topo da lista das prioridades [22].


Trofin Lyssenko [23]


[1] LIU, Xielin; WHITE, Steven. Comparing innovation systems: a framework and application to China’s Transitional Context, Research Policy, v.30, 2001. p.1091-1097, Cf. ORCUTT, John. Shaping China’s Innovation Future: university technology transfer in transition. Edward Elgar, 2010, p. 22
[2] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.225
[3] CAENEGEM, Van. Inventions in Russia: from public good to private property, v.4, 1993 Australian Intelllectual Property Journal, p.232 cf. DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.223
[4] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 61
[5] VOJÁCEK, Jan. A survey of the principal national patent systems. New York:Prentice Hall, 1936, p.156
[6] LADAS, Stephen. Patents, trademarks and related rights, 1975, v.1, p.381
[7] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 55. 
[8] LADAS, Stephen. Patents, trademarks and related rights, 1975, v.1, p.382
[9] GRUBB, Philip, W. Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology: Fundamentals of Global Law, Practice, and Strategy; Oxford University Press, 2004, p.39
[10] DRAHOS.op.cit.p.277
[11] http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Russian_inventors
[12] http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Russian_inventions
[13] GORBACHEV, Mikhail. Perestroika: novas idéias para o meu país e o mundo. São Paulo: Ed. Best Seller, 1988, p. 106. 
[14] HEILBRONER, Robert. A formação da sociedade econômica, Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.279
[15] HEILBRONER, Robert. A formação da sociedade econômica, Rio de Janeiro:Zahar, 1979, p.349
[16] GATRELL, Peter. Reconceptualizing Russia’s industrial revolution. In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.241
[17] RONAN, Colin. História Ilustrada da Ciência; a ciência nos séculos XIX e XX, Rio de Janeiro:Zahar, 2001, v.4, p.103
[18] READER’S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p. 318, 349
[19] CHALLONER, Jack. 1001 invenções que mudaram o mundo. Rio de Janeiro:Ed. Sextante, 2010, p. 593
[20] READERS'S DIGEST, História dos grandes inventos, Portugal, 1983, p.176
[21] http: //pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Kalashnikov.
[22] http: //pt.wikipedia.org/wiki/AK-47.
[23] http://pt.wikipedia.org/wiki/Trofim_Lysenko

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Interfaces e sinais

Nos Estados Unidos em 2007 em In re. Nuijten[1] uma das reivindicações pleiteava proteção a um sinal codificado de forma específica de forma a reduzir as distorções presentes na introdução de marcas identificadoras subliminares em sinais de áudio digital. A Corte entendeu que o sinal meramente descreve características abstratas sem atributos físicos e portanto não é considerado matéria patenteada, de forma que não se enquadra como processo (um sinal não descreve uma série de etapas de um método), máquina (um sinal transitório não é feito de partes em um sentido mecânico), manufatura (um sinal não se configura como artigo tangível ou mercadoria) ou composição da matéria (um sinal não é uma composição química, ou um sólido, etc..) de que trata o parágrafo 101 da Lei norte-americana de patentes. Trata-se neste caso de um sinal que pode se propagar por algum meio inespecífico como fios, ou mesmo o vácuo, e portanto, configura meramente de dados abstratos. O fato do sinal reivindicado ser uma criação humana não foi considerado suficiente para patenteabilidade. Segundo o voto da maioria (2 votos contra 1) em Nuitjen uma manufatura deve ser algo tangível ou mercadoria, o fato de sinais elétricos, que envolvem fótons que se movem à velocidade da luz que por sua vez se comportam como partículas não os torna artigos tangíveis pelo conceito da lei. [2] Segundo a Corte: “se uma reivindicação abrange uma matéria não incluída nas quatro categorias estatutárias, esta matéria está fora do escopo do parágrafo 101 da lei ainda que a dita matéria seja considerada nova e útil”.[3] Em In re Ferguson[4] a Corte reafirmou os mesmos conceitos expressos em Nuijten rejeitando como não estatutária uma reivindicação referente a “paradigma para software de publicidade compreendendo...”.
John Duffy critica o argumento do USPTO. Valendo-se de dicionários da época em que o Patent Act de 1793 foi redigido, John Duffy destaca que composição de matéria se refere a matéria enquanto algo real em oposição ao espírito, ou talvez entre algo real e imaginário. Em uma definição do dicionário Webster de 1828 há uma definição de matéria que inclui objetos imponderáveis, ou seja, de seja destituídas de peso tais como a luz, o calórico, a eletricidade e o magnetismo. Na edição de 1783 do dicionário Bailey, a mais restrita, se refere a um corpo que se estende em comprimento, largura e espessura, ao que John Duffy argumenta que uma radiação eletromagnética possui limites finitos nas três dimensões. Por outro lado o termo manufatura é referido como algo produto da criação humana, criada de forma artificial. Portanto para John Duffy a reivindicação pleiteada em Nuitjen tanto pode ser enquadrada como manufatura como composição da matéria.[5]
No caso Bilski o Federal Circuit em 2008 entendeu que uma matéria é patenteável se ligada a uma máquina ou aparelho em particular ou se transforma um artigo particular em um estado diferente ou matéria. Este critério confere a necessidade de uma materialidade para as invenções. Embora a Suprema Corte em 2010 não tenha confirmado o teste machine or transformation como necessário, ainda assim o considerou como um test útil, uma ferramenta investigativa para detreminar se uma criação se enquadra  dentro do conceito previsto na seção 101. Portanto, uma modificação física permanece como um aspecto importante embora não o único indicador de patenteabilidade.
O Federal Circuit, em julho de 2014, em Digitech Image Technologies, LLC v. Electronics For Imaging, Inc. (Fed. Cir. 2014)[6] apenas um mês após a decisão da Suprema Corte em Alice Corp. v. CLS Bank International analisou a patente US6128415 referente a geração e uso de um perfil de dispositivo que descreve propriedades de cor e de espaço de uma imagem em um sistema de processamento digital. Ao criar perfis de dispositivos tais como câmeras, monitores, televisores a patente se propõe a de forma mais precisa traduzir as representações de cores de imagens intercambiadas por estes dispositivos. A reivindicação que faz referência a um sistema de captura de imagens digitais trata de um primeiro conjunto de dados para descrição de conteúdo de informação de transformação de cor dependente de dispositivo para um espaço de cores independente do dispositivo, e de um segundo conjunto de dados para descrição de uma transformação dependente do dispositivo de um conteúdo de informação de uma imagem no dito dispositivo independente de espaço de cor. O Federal Circuit conclui que a reivindicação trata de dois conjuntos de dados que descrevem uma transformação dependente do dispositivo e que a reivindicação não está dirigida a qualquer implementação tangível do sistema de processamento de sinais: “data in its ethereal, non physical form is simply information that does not fall under any of the categories of eligible subject matter under section 101”. O Federal Circuit invocou uma decisão[7] de 1863 para demonstrar que uma máquina ser qualificada sobre a seção 101 a invenção reivindicada deve ser “concreta, consistindo de partes, ou de certos dispositivos e combinação de dispositivos”. A reivindicação que trata de “device profile” segundo a Corte representa nada mais do que uma disposição intangível de informações e, portanto, não se enquadra em nenhuma das categorias da seção 101, pois tanto uma manufatura como uma composição da matéria requerem um artigo tangível: “The asserted claims are not directed to any tangible embodiment of this information (i.e., in  physical memory or other medium) or claim any tangible part of the digital processing system. The claims are instead directed to information in its non-tangible form). A reivindicação é ainda mais ampla que a reivindicação de sinal em Nuijten, pois naquele caso havia algo físico (uma onda eletromagnética que se propagava no espaço), ainda que transitório, ao passo que neste caso nada físico existe. Em re Warmerdam decidido em 1994 o mesmo princípio foi estabelecido, embora em In re Lowry a citação de uma simples memória foi considerada suficiente para enquadrar a reivindicação na categoria de artigo de manufatura. A reivindicação de método em Digitech foi considerada como ideia abstrata: “sem limitações adicionais, um porcesso que emprega algoritmos matemáticos para manipular informação existente para gerar informação adicional não é patenteável”, uma citação extraída de Parker v. Flook. Apesar da reivinidcação se referir a um sistema de reprodução de imagem digital isto não foi considerado conexão suficiente com um dispositivo físico tangível para tornar a reivindicação de método patenteável. Ademais esta característica é citada no preâmbulo da reivindicação e em outras decisões o Federal Circuit concluiu que o preâmbulo não limita o escopo de uma reivindicação mas meramente apresenta o propósito ou uso da invenção (Bicon Inc v. Straumann Co, 441 F.3d 945, 952 (Fed. Cir. 2006). [8]
Em decisão de 2015 o Federal Circuit em AllVoice Developments v. Microsoft conclui que uma reivindicação para interface de reconhecimento de fala de US5799273 não está direcionada a nenhuma das quatro categorias patenteáveis identificada na seção 101 (processo, máquina, manufatura e composição da matéria): “o software pode ser patenteável, mas quando reivindicado de uma forma não direcionada a um processo, a matéria objeto da patente necessariamente deve existir numa forma tangível. No caso em litígio as reivindicações meramente reivindicam instruções de software sem quaisquer limitações de hardware”. Ainda segundo a Corte: “exceto para as reivindicações de processo a matéria patenteável necessariamente deve existir numa forma física ou tangível. Para ser considerada uma máuqina a invenlão reivindicada deve ser uma coisa concreta, consistindo de partes ou de certos dispositivos e combinações de dispositivos. Similarmente para se qualificar como manufatura a invenção deve ser um artigo tangível numa dada forma, qualidade, propriedade ou combinação através de meios artificiais ou feito pelo homem. Igualmente a composição da matéria exige uma combinação de duas ou mais substâncias e inclui todos os artigos compostos”.[9]



[1] In re Nuijten, 500 F.3d 1346 (Fed.Cir.2007) CHISUM, Donald. Chisum on Patents, Matthew Bender, 2011, p.1-330.8
[2] MUELLER, Janice. Patent Law. New York:Aspen Publishers, 2009, p.284
[3] ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.106
[4] 558 F.3d 1359 (Fed.Cir.2009) cf. ROOT.op.cit.p.106
[5] DUFFY, John, In re Nuijten: Patentable Subject Matter, Textualism and the Supreme Court, Patently-O (2007), http://patentlyo.com/patent/2007/02/in_re_nuijten_p.html.
[6] http://www.cafc.uscourts.gov/images/stories/opinions-orders/13-1600.Opinion.7-9-2014.1.PDF
[7] Burr v. Duryee, 68 U.S. 531, 570 (1863).
[8] BORELLA, Michel. Digitech Image Technologies, LLC v. Electronics For Imaging, Inc. (Fed. Cir. 2014) 14/07/2014 http://www.patentdocs.org/2014/07/digitech-image-technologies-llc-v-electronics-for-imaging-inc-fed-cir-2014.html
[9] Federal Circuit: Software is not Patent Eligible unless Claimed as a Process or Physical Object, 22/05/2015 http://patentlyo.com/patent/2015/05/software-eligible-physical.html

domingo, 17 de maio de 2015

Biopirataria no Brasil Colônia

No século XVI Sérgio Buarque de Holanda aponta que as grandes araras de cores vistosas impressionaram os europeus e foram objeto de tráfico a ponto do Brasil ser mencionado em certos mapas como a terra dos papagaios. A nau Bretaa armada por Loronha e alguns sócios , que saiu de Lisboa em 1511, levou de regresso a Portugal uma carga contendo além de pau brasil e escravos também gatos, saguis e papagaios. [1] A presença de traficantes e piratas na costa brasileira é frequente já no século XVI. Lilia Schwartz mostra que o final do século XIX, conhecida como a “era dos museus” viu florescer diversos museus etnográficos vinculados a modelos evolucionistas de análise, com suas coleções bastante ampliadas com o material coletado por exploradores como o capitão Cook.[2] O naturalista francês Joseph Dombey enviou para o Museu de Paris em 1784 exemplares zoológicos por intermédio da recém criada Casa dos Pássaros, célula mater do futuro Museu Nacional. Os exemplares enviados contudo sem etiquetas de identificação iriam mais tarde desorientar os pesquisadores.[3] Portugueses presos em Goa ao escaparem trouxeram mudas dos famosos jardins de Pamplemousse da Ile de France (atual república de Maurício) entre as quais as sementes da palmeira imperial que seria plantada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro inaugurado quando da chegada da família real em 1808.[4] Em 1800 chegou ao Brasil o naturalista Friedr Sieber, para atender demanda do colecionador alemão Conde Hoffmannsegg para explorar a floresta amazônica, coleção esta que foi doada posteriormente a Universidade de Berlin, na qual se utilizaria diversos especialistas. 

No século XIX Étienne Saint Hilaire foi enviado pelo Musée d’Histoire Naturelle de Paris para examinar as coleções mantidas no Museu de História Natural em Lisboa onde encontrou várias espécies encaixotadas da coleção de Alexandre Rodrigues Ferreira o “Humbolt brasileiro”. Aproveitando-se da invasão do general Junot em Portugal, do que estava Saint Hilaire levou os melhores espécimes para Paris entre jacarés, papagaios e herbário amazônico.[5] Segundo ele próprio informaria mais tarde, ao deixar Lisboa, em 15 de agosto de 1808, foram levados 68 mamíferos, 443 aves, 62 répteis, 162 peixes, 490 moluscos, 12 crustáceos e 722 insetos os quais apresentaria à comunidade científica como fruto de suas descobertas. Seus manuscritos e desenhos, com raras exceções, permaneceram inéditos até a década de  1960, embora o Brasil tenha tomado posse deles desde 1842.[6] 

Comandada pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, a Viagem Filosófica foi a mais importante expedição científica portuguesa do século XVIII. Ela percorreu o interior da América portuguesa durante nove anos e produziu um rico acervo, composto de diários, mapas populacionais e agrícolas, cerca de 900 pranchas e memórias (zoológicas, botânicas e antropológicas). Os diários, a correspondência e umas poucas memórias somente foram publicados a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo na Revista do Instituto Histórico. Na década de 1870, os três primeiros volumes dos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro divulgaram uma enorme lista de manuscritos oriundos da viagem. No entanto, somente na década de 1970, o Conselho Federal de Cultura editou uma parte representativa das pranchas e memórias. Deve-se destacar, porém, que ainda há documentação da maior importância que continua inédita em arquivos portugueses e brasileiros. Na Fundação Biblioteca Nacional e no Arquivo Histórico do Museu Bocage estão depositados os principais registros textuais e visuais da expedição.[7]

Alexandre Ferreira, nascido em Salvador e doutorando na Universidade de Coimbra foi enviado em 1783 pelo catedrático de História Natural, Domingos Vandelli, para estudo das riquezas naturais do norte do Brasil. Alexandre Ferreira chegou ao Brasil em Belém realizando extensa pesquisa pelos rios amazônicos por quatro anos escrevendo extensas memórias de caráter científicos para prestar contas ás autoridades de Lisboa. Durante este período enviou para Lisboa vários espécimes etnográficos, zoológicos, botânicos e mineralógicos. No entanto o próprio Alexandre Ferreira ao retornar para Portuga como encarregado de administrar o Real Gabinete de História Natural pode observar o descaso com que seu material havia sido recebido: “os exemplares que coligira à custa de tantas fadigas e remetera com o maior desvelo para o gabinete da Ajuda, deteriorados na maior parte, e confundidos todos, perdidos ou trocados os números e etiquetas que trazia”.

Segundo Ronald Raminelli[8]: “Os naturalistas atuavam como homens de ciência, recorrendo à neutralidade para produzir conhecimento. Como bem percebeu Mary Pratt (1993), eles desempenhavam simultaneamente funções de cientistas e agentes imperiais, auxiliando a expansão da Europa. Por intermédio da história natural, aprendiam-se o valor e a importância das comunidades e regiões percorridas. Desse modo, as memórias, as pranchas e as espécies coletadas demonstravam as potencialidades da exploração comercial. A ciência atuava como "descrição exata de tudo" e funcionava como um espelho rico e multifacetado, no qual toda Europa pôde projetar a si mesma como construtora de processo planetário em expansão. Em nome da ciência, os naturalistas atenuavam a competição e violência provocadas pela expansão comercial, política e pelo domínio colonial. As pranchas da viagem filosófica possuem essa racionalidade. Constituem uma produção artística e científica munida de uma lógica colonial, destinada a classificar e transformar a natureza e as comunidades indígenas em bens para manutenção e exploração”.




Prancha da obra de Alexandre Ferreira [9]


[1] Holanda, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, São Paulo: Difusão Editorial, 1960, p. 91
[2] SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930, São Paulo: Cia das Letras, 1993, p.87
[3] HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira: A época colonial, administração, economia, sociedade, tomo I, volume 2, São Paulo:Difusão Editorial, 1960, p.170
[4] WILCKEN, Patrick. Império à deriva: a Corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821, Rio de Janeiro:Objetiva, 2010, p.152
[5] WILCKEN, Patrick. Império à deriva: a Corte portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1821, Rio de Janeiro:Objetiva, 2010, p.306
[6] HOLANDA, Sérgio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira: A época colonial, administração, economia, sociedade, tomo I, volume 2, São Paulo:Difusão Editorial, 1960, p.172
[7] http://bndigital.bn.br/dossies/alexandre-rodrigues-ferreira/?sub=historico%2F
[8] [1] RAMINELLI, Ronald. Do conhecimento físico e moral dos povos: iconografia e taxionomia na Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Hist. cienc. saude,  Rio de Janeiro ,  v. 8, supl. p. 969-992,   2001 .   http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702001000500010&lng=en&nrm=iso
[9] http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59702001000500010&script=sci_arttext