terça-feira, 11 de novembro de 2014

Subsídios ao exame de patente

O site PeerToPatents [1] promoveu em julho de 2007 um projeto piloto em cooperação com o USPTO e a New York Law School no sentido de estimular a apresentação de subsídios ao exame de patentes. A iniciativa tem o apoio de empresas como a General Electric (GE), Hewlett-Packard (HP), International Business Machines (IBM), Microsoft e Red Hat. Em um ano de projeto, foram cadastrados cerca de 2 mil usuários e submetidos 173 documentos como anterioridades de 40 pedidos de patentes [2]. Relatório preliminar do programa mostra que 70% dos examinadores consideraram os resultados encorajadores e que o programa deveria ser incorporado à sua prática de exame como forma de proporcionar melhores resultados nas buscas de patentes.[3]

Um relatório de 2009 realizado pela Worcester Polytechnic Institute avaliou os resultados de dois anos de projeto piloto na área TC 2100 (computadores) e TC 3600 (métodos financeiros). Estas áreas foram escolhidas por serem mais sujeitas a críticas pela baixa incidência de literatura não patentária citada nos exames do USPTO. O estudo toma como amostra 125 pedidos submetidos a subsídios pelo programa tendo sido recebidos 438 documentos de anterioridade (51% eram literatura não patentária), uma média de 3,5 documentos por pedido. Foi observado uma média de sete revisores/colaboradores para cada pedido de patente submetido. Dos 125 relatórios de primeira ação apenas 26 citaram alguma anterioridade apresentada pelo programa para fundamentar uma primeira ação do pedido com indicação de rejeição (22%), sendo que em 10 destes casos estas anterioridades eram literatura não patentária. Dos 125 pedidos analisados, os examinadores consideraram que em 43 casos (34%) algum documento de anterioridade obtido através do programa foi considerado como relevante. 

De 100 examinadores entrevistados, 63 apontaram o programa como útil ao exame, ainda que apenas para melhor compreensão da invenção. Os participantes do programa, em sua maioria estudantes de graduação da New York Law School, que enviaram anterioridades reportam um tempo médio de 3 horas no exame de cada pedido. O maior interesse manifestado pelos participantes foi o de promover uma maior qualidade no exame de patentes. Apenas 2% dos participantes revelaram que não tinham nenhum conhecimento de patentes. Entre as principais ferramentas de busca usadas encontram-se Google, USPTO website, internet, Delphion Patent Search e Google Patents. O programa prevê o primeiro parecer do examinador ser submetido ao grupo de trabalho do programa que pode inserir um máximo de dez documentos de anterioridade a serem avaliados pelo examinador, o que representa uma sobrecarga no exame, que após a análise submeterá um novo parecer a ser encaminhado ao examinador supervisor de patentes que fará a revisão final. O estudo avalia como ineficiente o processo na medida em que acrescenta etapas a tramitação do pedido. O fato dos subsídios serem apresentadas mediante taxas constitui um desincentivo a maior participação por terceiros. O custo estimado do programa é estimado em cerca de 500 mil dólares anuais, um custo excessivo se compararmos este valor com o valor que seria gasto com examinadores do USPTO para ocuparem do mesmo tempo de busca. [4]

Com o Leahy Smith American Invents Act de 2012 foi eliminado a 37 CRF Rule 1.99 que regulamentava a apresentação de subsídios no exame.[5] A legislação norte-americana prevê a participação de subsídios nos procedimentos de reexame (35 USC § 311, 318). Segundo Mark Lemley este sistema é pouco utilizado uma vez que a apresentação de tais subsídios na fase administrativa nos procedimentos de reexame exclui o mesmo requerente de questionar posteriormente a patente em litígio. [6] Ademais o próprio instituto de reexame é pouco utilizado. Dados de 2000 a 2004 mostram que de cerca de 1,6 milhão de depósitos realizados no USPTO, foram concedidos no mesmo período aproximadamente 900 mil patentes sendo que apenas 53 solicitações de reexame.[7]

Outra possibilidade de subsídios nos Estados Unidos são os protestos apresentados por terceiros durante a pendência de um pedido de patente prevista no 37 C.F.R. § 1291[8] ou mesmo após a concessão da patente prevista no 37 C.F.R. § 1501.[9] Antes de 1999 quando os pedidos mantinham-se em sigilo até a data de concessão a possibilidade de apresentação de terceiros de subsídios por terceiros por este dispositivo era bastante reduzida na prática. De qualquer forma terceiros não participam do processo de exame, limitando-se a apresentar documentos considerados relevantes ao exame. [10] Jay R. Thomas argumenta que a melhoria de qualidade no exame de patentes necessariamente deve se orientar no sentido de atrair mais subsídios de terceiros, que deveriam ser estimulados a participar com algum tipo de bônus.[11]

Na Europa o Artigo 115 da EPC autoriza que terceiros apresentem documentos relevantes como subsídio ao exame, embora não seja um instrumento comumente utilizado uma vez que terceiros preferem apresentar suas anterioridades na fase de oposição onde terão o controle de expor o contexto em que esta documentação deva ser usada do que simplesmente apresentá-la ao examinar sem a oportunidade de se manifestar sobre ela.[12] Em agosto de 2011 a EPO propôs um projeto piloto para que terceiros possam apresentar subsídios ao exame através de um formulário eletrônico submetido pela internet.[13]

Em 2000 ainda sob o grande impacto na mídia contra a patente de one click shopping da Amazon, foi lançado o site Bountyquest pela CKM Digital com a proposta de coletar documentos de anterioridades para subsidiar litígios judiciais em patentes em troca de bônus para os melhores documentos. Para a patente da Amazon foram premiados três contribuições, muito embora nenhuma delas pudesse ser utilizada contra todas as reivindicações da patente. [14] Alguns meses após concedido o prêmio um novo subsídio apresentou um documento muito mais relevante. A grande quantidade de documentos, muitos dos quais de pouca relevância e a dificuldade de transmitir o conteúdo da patente em uma linguagem de fácil acesso ao público pouco acostumado com os meandros jurídicos de um documento de patente tornaram a iniciativa pouco promissora passada a euforia inicial da proposta.[15] Ademais os documentos acabaram sendo de pouca valia para o litígio entre a Amazon e a Barnes & Noble que terminou em acordo. Em 2003 o site já havia sido retirado do ar por perda de patrocinadores. [16]

Os escritórios do USPTO em 2008-2009 e posteriormente da Austrália em 2009 lançaram o projeto peer to patent [17], que estimulava a participação da sociedade na busca de subsídios ao exame com apresentação de documentação que possa servir nas buscas [18]. Durante sua fase piloto no USPTO o projeto representou um acréscimo de 2000 vezes no número de subsídios ao exame apresentados no USPTO. A incidência de literatura NPL foi de quatro vezes superior ao índice de NPL encontrada nos procedimentos usuais de subsídios.

No projeto peertopatent um grupo de revisores pré selecionava os documentos antes que fossem enviados ao USPTO. Um máximo de dez documentos é submetido ao USPTO. Como a lei norte-americana proíbe subsídios de terceiros este projeto para não ser ilegal requeria o consentimento do depositante do pedido de patente para ser submetido ao projeto. Como compensação, o pedido de patente é examinado prioritariamente. O examinador podia contudo continuar realizando suas próprias buscas. Esta via constituía apenas um novo banco de dados onde pode consultar documentos para busca, com a vantagem de trazer um número significativamente maior de documentos NPL. Cerca de 90% dos examinadores que participaram do piloto consideraram a qualidade dos documentos apresentados útil e relevante para o exame. Cerca de 75% dos examinadores recomendaram a prática para o exame regular de pedidos de patente.

Um estudo de Kimberlle Weatherall avalia o sistema administrativo de oposição na Austrália em que terceiros podem, dentro de um prazo limitado de três meses, apresentar subsídios ao exame, antes da concessão da patente (pre-grant).[19] Muitos países abandonaram a experiência de oposição antes da concessão optando pela oposição após a concessão (post grant) diante do uso indevido do sistema anterior como forma de atrasar o exame de patentes. Assim, abandonaram o sistema de pre grant opposition: a Inglaterra pelo Patent Act de 1977[20], Japão em 1 de janeiro de 1996, China em 1992 e Taiwan em 2004.[21] O Industrial Property Advisory Committee (PAC) australiano em estudo de 1984 recomendou o fim do sistema de oposição anterior à concessão, porém esta recomendação não foi acatada no Patent Act. Em 2010 o Advisory Council on Intellectual Property (ACIP) após analisar o dispositivo de pre grant opposition não indica qualquer necessidade de revisão diante da falta de evidências conclusivas que justificassem uma mudança[22]. Um projeto piloto peer to patent  foi elaborado pelo escritório australiano de patentes em conjunto com a Queensland University of Technology Faculty of Law e o New York Law School que operacionalizou o projeto pioneiro com o USPTO em 2007.

O estudo de Kimberlle Weatherall examina 2361 pedidos de patente depositados entre 1980 e 2006 e que sofreram um procedimento de oposição. A média de pedidos depositados que sofreram pedidos de oposição é de apenas 0.8% do total, mantendo-se estável ao longo do período de estudo. Percentualmente as áreas tecnológicos com maior percentual de pedidos de oposição em relação aos depósitos realizados são metalurgia (2.24%), revestimentos (2.05%), tecnologia espacial (1.99%) e engenharia civil (1.63%), petróleo (1.44%), biotecnologia (1.36%) e fármacos (1.32%) o que mostra que a ocorrência de oposições é dependente da área tecnológica. Quanto ao atraso no exame provocado pelo procedimento de oposição (o sistema prevê a resposta do depositante e réplica pelo oponente, com três meses para cada etapa) , o estudo mostra uma média de 2,37 anos, um tempo considerado significativo. Cerca de 80% dos procedimentos de oposição não tem decisão de mérito por abandono do oponente no processo, por exemplo, por terem as partes chegado a alguma acordo. Os dados mostram que cerca de 75% dos pedidos que sofreram oposição terminaram concedidos, ainda que com emendas no pedido. A maior parte dos pedidos que sofrem oposição (32%) é de pedidos com origem na Austrália. Dos pedidos de oposição que tem o mérito julgado, 60% resultam em emendas do pedido, 32% em concessão da patente e apenas 10% em indeferimento. Das oposições que apresentaram documentos de anterioridade contra novidade e atividade inventiva do pedido em exame, no caso de documentos patentário o índice de aproveitamento de tais documentos é de cerca de 33% enquanto que para literatura não patentária de apenas 20%.

O PL nº 5402/2013 dos deputados Newton Lima PT/SP e Dr. Rosinha PT/PR propõe modificações na LPI em que incluem o instrumento de oposição entre a publicação do pedido e o final de exame. O depositante será intimado desta oposição podendo se manifestar em tempo hábil. Nos casos em que a oposição seja apresentada é facultado ao INPI solicitar pareceres técnicos da Administração Pública, de organizações reconhecidas pelo governo como órgãos de consulta e de membros dos corpos docentes e discentes das universidades de ensino superior. O examinador deverá obrigatoriamente se manifestar sobre cada oposição apresentada, indicando as razões pelas quais acata ou rejeita as informações ali apresentadas. Na justificativa do projeto os autores se fundamentam nas opiniões de Josh Lerner e Adam Jaffe que defendem o uso de um pre grant examination, porém tais autores observam os riscos de que isso possa ser usado estrategicamente pelos competidores para atrasar ou mesmo obstruir a concessão de uma patente válida.[23] Um estudo patrocinado pelo governo britânico de 2002 aponta no mesmo sentido em favor da adoção pelos países em desenvolvimento de mecanismo de oposição antes da concessão, de baixo custo[24].

A proposta de lei considerada pouco efetivo o artigo 31 da LPI que prevê que publicado o pedido de patente e até o final do exame, será facultada a apresentação, pelos interessados, de documentos e informações para subsidiarem o exame. Segundo estudo[25] coordenado pleo deputado Newton Lima o artigo 31 da LPI não exige a manifestação do INPI ou do depositante do pedido da patente quanto ao conteúdo do subsídio apresentado por terceiros.  No entanto, o estudo ignora a prática de exame no INPI que orienta seus examinadores a tomarem em consideração os subsídios apresentados ao exame aproveitando os documentos e argumentos que considerarem relevantes. Por exemplo o tenofovir (PI9811045) da Gilead teve subsídios apresentados por Farmanguinhos e pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, que foram considerados e fundamentaram o indeferimento do pedido por parte do INPI em 2008[26], um exemplo de que o mecanismo do artigo 31 mostra-se efetivo.

Com relação a proposta de pareceres de exame de patente expedidos por outros órgãos que não o INPI, estes tem a possibilidade de apresentarem seus subsídios pelo artigo mesmo artigo 31 da LPI. Quantoa  decisão de exame esta é prerrogativa do INPI. O Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, por unanimidade, em 06/04/2000, Medida Liminar relativa à ADIN 2125, proposta pelo PT, suspendendo a eficácia de MP nº 2006 de 14/12/99 que previa contratação temporária por 12 meses no INPI, onde se explicita, no voto do relator, Ministro Maurício Correa, que “o exercício das atividades desenvolvidas pelo INPI só pode e deve ser permitido a técnicos da carreira pertencente ao quadro da autarquia” (Ementário nº 2006-1, DJ de 29/09/2000). O STF deferiu também por unanimidade, em 20/06/2001, Medida Liminar relativa à ADIN 2380, proposta pelo PT, suspendendo a eficácia da alínea “c” do inciso VI do art. 2º da Lei nº 8.8745/93 na redação da Lei nº 9.849/99, que considerava como necessidade temporária de excepcional interesse público a atividade de análise e registro de marcas e patentes pelo INPI, por considerá-la inconstitucional por ofender o art. 37, IX da CF/88, no voto do relator, Ministro Moreira Alves (Ementário nº 2070-2, DJ de 24/05/2002).



[1] http: //www.peertopatent.org/main/education.
[2] PeerToPatent First anniversary Report. The Centre for Patent Innovations, New York Law School. jun. 2008. http: //dotank.nyls.edu/communitypatent/P2Panniversaryreport.pdf.
[3] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.329
[4] LOISELLE, James; LYNCH, Michael; SHERRERD. Michael. Evaluation of the peer to patent pilot program. Worcester Polytecnic Institute, 2009, https://www.wpi.edu/Pubs/E-project/Available/E-project-122109-150816/unrestricted/usptofinalreport.pdf
[5] Changes To Implement the Preissuance Submissions by Third Parties Provision of the Leahy-Smith America Invents Act, 77 Fed. Reg. 42150 (July 17, 2012) (final rule) http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s1134.html
[6] BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press, 2009, p.22 (nota 8)
[7] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.69
[8] http://www.uspto.gov/web/offices/pac/mpep/s1901.html
[9] http://www.bitlaw.com/source/37cfr/1_501.html
[10] MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen Publishers, 2006. p.162
[11] THOMAS, Jay. Collusion and Collective Action in the Patent System: A Proposal for Patent Bounties, University of Illinois Law Review, Vol. 2001, No. 1, Pp. 305-353, 2001 http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=248439
[12] GUELLEC, Dominique; POTTERIE, Bruno van Pottelsberghe de la. The economics of the european patent system. Great Britain:Oxford University Press, 2007, p.218
[13] BINCTIN, Nicolas. Droit de la propriété intellectuelle, LGDJ:Paris, 2012, p.360
[14] http://www.oreillynet.com/pub/a/policy/2001/03/14/bounty.html
[15] http://oreilly.com/pub/a/oreilly/ask_tim/2003/bountyquest_1003.html
[16] http://en.wikipedia.org/wiki/Public_participation_in_patent_examination
[17] http: //en.wikipedia.org/wiki/Peer-to-Patent.
[18] http: //www.peertopatent.org/.
[19] WEATHERALL, Kimberlee; ROTSTEIN, Fiona; DENT, Chris; CHRISTIE, Andrew. Patent oppositions in Australia: the facts, UNSW Law Journal, 2011, v.34, p.93-135
[20] The British patent system: report of the committee to examine the patent system and patent Law, H.M. Stationery Office, Cmmd v.4407 (1970)
[21] Post Grant patent invalidation in China and the United States, Europe and Japan: a comparative study, 2004, v. 15 Fordham Intellectual Property Meida & entertainment Law Journal, p,273-298
[22] http://www.acip.gov.au/reviews/all-reviews/review-patent-enforcement/
[23] JAFFE, Adam; LERNER, Josh. Innovation and its discontents – how our broken patent system is endangering innovation and porgress and what to do anout it, Princeton, 2004, p 3299/5128 (kindle edition)
[24] Integrating Intellectual Property Rights and Development Policy: Report of the Commission on Intellectual Property Rights, Londres, 2002, p.118. http://www.iprcommission.org/papers/pdfs/final_report/ciprfullfinal.pdf
[25] http://infojustice.org/wp-content/uploads/2013/09/Brazilian_Patent_Reform.pdf
[26] http://www.abiaids.org.br/_img/media/Apresenta%C3%A7%C3%A3o%20Evento%20Midia%20-%20Renata%20Reis.pdf

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