quinta-feira, 31 de julho de 2014

Patentes e Revolução Meiji

A revolução Meiji iniciada em 1868 enfatizou a busca por conhecimento tecnológico e chegou a aprovar uma lei de patentes em 1871 que viria a ser revogada no ano seguinte. [1] Para o shogun Meiji Mutsuhto “as relações com os países estrangeiros seriam conduzidas de futuro em concordância com as leis de todo o mundo” em um rompimento com a visão feudal até então predominante no Japão[2]. Na década anterior os Estados Unidos em missão de 1852 comandada pelo Comodore Perry, quatro navios de guerra ameaçaram o Japão caso não se estabelecessem relações comerciais. Em 1865 seria a Inglaterra, após bombardeio do porto de Kagoshima, a conseguir a abertura do portos japoneses aos produtos ingleses.[3] Segundo Takahashi Korekiyo a chegada de Comodore Perry  precipitou o país a empreender um vigoroso impulso modernizador de sua indústria. [4]

Ian Inkster[5] mostra que a Revolução Meiji envolveu o que podemos denominar de “engenharia cultural” que teve um amplo alcance absorvendo técnicas do ocidente assim como impactos sociais importantes ao reforçar o sentimento de grupo e uma ética ao trabalho. A contribuição de pesquisadores estrangeiros como o químico holandês  K. Gratama foi fundamental para o surgimento de universidades como o departamento de química na Universidade de Tóquio com elevado padrão de ensino. Segundo Ian Inkster: “a educação pública foi claramente o elo institucional mais próximo entre a formação de capital humano, engenharia cultural e transferência de tecnologia”.

Nuno Carvalho aponta o impacto provocado pela infração generalizada de um tear mecânico apresentado por um inventor japonês durante a primeira exposição industrial realizada no Japão em 1877. O inventor T. Fusekumo[6] morreu pobre apesar do enorme sucesso de sua invenção, para o qual não havia proteção legal disponível [7]. Uma segunda lei de patentes entrou em vigor em 18 de abril de 1885, dia considerado com dia da invenção no Japão (Hatsumei No Hi). A primeira patente foi concedida quatro meses mais tarde a Zuisho Hotta, um artista que inventou uma verniz conhecido como verniz Hotta usado no revestimento de navios e pontes de ferro[8]. Em 1886 Takahashi Korekiyo, primeiro diretor do escritório japonês de patentes, então um órgão do Departamento de Agricultura e Comércio [9] foi enviado em missão pelo governo japonês aos Estados Unidos e Europa para examinar seus sistemas de patentes e concluiu em seu relatório: “o que faz os Estados Unidos uma grande nação? e nós investigamos e encontramos que eram as patentes, deste modo também nós teremos patentes”.[10] 

Entre os cinco artigos do Pacto Imperial de 1868 no início da era Meiji constava a decisão de “procurar o saber em todas as partes do mundo, a fim de levantar as glórias do regime imperial”.[11] Takahashi Korekiyo foi primeiro ministro no Japão entre 1921 e 1922 e assassinado em 1936 por um grupo de jovens oficiais. [12]A primeira lei de patentes japonesa foi aprovada em 1888 incorporando muitas das características da legislação norte americana, entre os quais o princípio de first to invent, abandonado apenas na reforma da lei em 1920. Após a adesão à CUP uma nova lei foi aprovada em 1899, com a principal modificação de estender os direitos às patentes também aos estrangeiros seguindo o princípio de tratamento nacional. A influência alemã viria na lei de 1909 com a proteção aos modelos de utilidade e em 1921 com a adoção dos procedimentos de oposição administrativa e a remoção da proteção para produtos químicos [13]. O Japão, portanto, possui legislação patentária desde o início de seu processo de industrialização.

Os exemplos de licenciamentos de tecnologia por parte de empresas japonesas remontam desde os primeiros anos de legislação patentária. Em 1896 Sakichi Toyota obteve patentes para um tear automático. Em 1924 a Toyota Type G Automatic Loom chegou ao mercado e o filho de Toyota estabeleceu um importante licenciamento de patentes com a norte americana Platt Brothers&Co. no valor de £100 mil (equivalente a US$25 milhões atuais). O capital obtido com este licenciamento foi investido na fundação da companhia de automóveis Toyota [14] 


Takahashi Korekiyo [9]



[1] DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.164
[2] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faze em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.42
[3] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faze em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.40 http://en.wikipedia.org/wiki/Matthew_C._Perry
[4] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 5
[5] INKSTER, Ian. Cultural engineering and yhe industrialization of Japan circa 1868-1912 In: HORN, Jeff; ROSENBAND, Leonard; SMITH, Merritt Roe. Reconceptualizing the Industrial Revolution, London:MT Press, 2010, p.291-308
[6] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 57
[7] CARVALHO, Nuno. A estrutura dos sistemas de patentes e de marcas: passado, presente e futuro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 343.
[8] http://www.nature.com/nature/journal/v135/n3406/abs/135218b0.html
[9] http: //en.wikipedia.org/wiki/Takahashi_Korekiyo.
[10] BARBOSA, Denis Borges; MAIOR, Rodrigo Souto; RAMOS, Carolina Tinoco, O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Rio de Janeiro: Lumen, 2010. p. 111.
[11] SOBRINHO, Barbosa Lima. Japão: o capital se faze em casa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, p.83
[12] http://en.wikipedia.org/wiki/Takahashi_Korekiyo
[13] KHAN, Zorina. An Economic History of Patent Institutions. 2010 http: //eh.net/encyclopedia/article/khan.patents. cf DRAHOS, Peter. The global governance of knowledge: patent offices and their clients. Cambrige University Press:United Kingdom, 2010, p.164
[14] IDRIS. Kamil. Intellectual property, a power tool for economic growth (overview), Geneva: WIPO, 2003, p. 9.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Thomas Jefferson

Thomas Jefferson, que trabalhou como examinador de patentes no USPTO, defendia a tese de que ideias não podem ser patenteadas[1]. Ha Joon Chang relata que após a saída de Jefferson no exame de patentes o número de concessões triplicou, o que sugere que os níveis de atividade inventiva adotados por ele eram bastante elevados.[2] Jefferson era um dos três membros da Commissioners for the Promotion of the Useful Arts encarregada do exame das patentes. A sobrecarga de trabalho levou à reforma de 1793, de autoria do próprio Jefferson, que eliminou o exame substantivo para concessão das patentes, transferido desta forma para os tribunais, possivelmente por inspiração francesa uma vez que ele compartilhava diversas ideias francesas[3]. O exame substantivo seria retomado apenas em 1836.
Em carta escrita para Isaac McPherson em 1813, de Thomas Jefferson argumenta: “se a natureza fez uma coisa menos suscetível que outras coisas ser de propriedade exclusiva, é o fato do poder do pensamento a que chamamos de ideia, que um indivíduo pode possuir de forma exclusiva enquanto ele a retêm para si, mas no momento que esta ideia é divulgada, ela força necessariamente que passe a ser posse de todos, e o receptor não poderá mais dispor dela para si. È uma característica peculiar da ideia, também, que ninguém deixa de possuir ou possui menos uma ideia, pelo fato de outra pessoa a possuir de forma completa. Aquele que recebe uma ideia de mim, recebe um conhecimento para si, sem que se diminua o meu conhecimento, da mesma forma que aquele que acende uma vela a partir de minha vela, recebe luz sem que minha luz se diminua. As ideias devem ser divulgadas livremente de um para outro por todo o mundo [4] [...] As invenções não podem ser, por sua natureza, um objeto de propriedade”.[5] O mesmo Jefferson que foi examinador de patentes, tendo concedido algumas patentes a elas não se opunha: “certamente deve ser concedido a um inventor um direito aos benefícios de sua invenção durante certo tempo. Ninguém mais do que eu deseja que o engenho receba encorajamento liberal”.[6]


Thomas Jefferson [7]




[1] “That ideas should freely spread from one to another over the globe, for the moraland mutual instruction of man, and improvement of his conditions, seem to have been peculiarly and benevolently designed by nature, when she made them, like fire, expansible over all space, without lessening their density in any point, and like the air in which we breathe, move, and have our physical being, incapable of confinement or exclusive appropriation. Inventions then cannot, in nature, be a subject of property.”, Thomas Jefferson, Letter to Issac McPherson, August, 13, 1813 in The Complete Jefferson edited by Saul Padover (New York, Duell, Sloan, Pearce Inc.: 1943). apud Intellectual Property Rights Series No. 3, Intellectual Property Rights and Economic Development - Historical Lessons and Emerging Issues, Ha-Joon Chang, TWN (Thid Wold Network), 2001 e em Journal of Human Development Routledge, part of the Taylor & Francis Group, Volume 2, Number 2 / July 1, 2001, p. 287 – 309; ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 4830/6539 (kindle edition)
[2] O mito do livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo, Ha Joon Chang, Rio de Janeiro:Elsevier, 2009, p. 133
[3] O contributo mínimo em propriedade intelectual: atividade inventiva, originalidade, distinguibilidade e margem mínima. Denis Borges Barbosa, Rodrigo Souto Maior, Carolina Tinoco Ramos, Rio de Janeiro:Lumen, 2010, p.147
[4] http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.html
[5] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 49
[6] CAMP, Sprague. A história secreta e curiosa das grandes invenções.Rio de Janeiro:Lidador, 1964, p. 28
[7] http://en.wikipedia.org/wiki/Thomas_Jefferson

terça-feira, 29 de julho de 2014

Patente: expectativa de direito

O pedido de patente confere ao inventor uma expectativa de direito e somente após a concessão da carta-patente este poderá exercer plenamente seus direitos. Alexandre Gnocchi explica: “patentes depositadas são expectativas de direito. Onde há invenção, aí está o direito. O direito não nasce da patente, é anterior à patente. O depósito é a sua certidão de nascimento. O direito preexiste à patente, ou nunca existiu onde não há invenção, sejam quantas forem as patentes expedidas pelo Departamento Nacional da Propriedade Industrial. É o próprio Código, em seu artigo 6 que reconhece imperativamente o direito do inventor quando autor de invenção” [1] Mesmo fazendo referência ao Código de 1945 o texto aplica-se igualmente à LPI atual que em seu artigo 6 estabelece que “Ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade, nas condições estabelecidas nesta lei”.

Segundo Gama Cerqueira: “a patente não cria, mas apenas reconhece e declara o direito do inventor, que preexiste à sua concessão e lhe serve de fundamento. Seu efeito é, portanto, simplesmente declarativo e não atributivo de propriedade. Por esse motivo, as patentes são expedidas, em todos os países, com ressalva dos direitos de terceiros e sem garantia do governo quanto a novidade e aos demais requisitos da invenção. Assim, provando-se que a invenção não poderia ser validamente privilegiada, a patente se anula. Em suma, a patente declara o direito que porventura compita ao inventor e estabelece a presunção da existência de uma invenção suscetível de ser privilegiada de acordo com a lei. Falhando esses pressupostos, a patente não tem nenhum valor e pode ser invalidada” [2].

Segundo Carvalho de Mendonça: “tenham-se bem presentes estas ideias: a patente não faz mais que autenticar as declarações daquele que se diz inventor; não goza outro mérito que os resultantes dessas declarações. Se o privilegiado não é, realmente, o autor da invenção, se obteve a patente contra os termos legais ou com ofensa de direito alheio, se nenhuma novidade contém o pretenso invento, provados esses fatos – a patente não passa de um papel sujo, que trará ao seu portador incômodos muito sérios, pecuniários e morais, pois aí estão os tribunais para lhe aparar as unhas e castigar a ousadia. A patente não garante ao inventor senão quando este pode resistir à severidade das decisões judiciais, impondo-se pela verdade e pela legalidade”. [3]

Segundo o TFR “o direito de patenteabilidade não é garantido com o simples depósito, mera expectativa de direito, e não direito adquirido”.[4] Segundo o TJSP: “Pedido de privilégio junto ao INPI. Patente ainda não concedida. Mera expectativa de direito que não autoriza o interessado a impedir a exploração por terceiro, muito embora assegure a ele o direito de obter indenização pela exploração indevida, entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente, na forma da lei”.[5]

Segundo o extinto TAMG: “O simples depósito do pedido de patente, dirigido ao INPI, não confere, por si só, ao requerente o direito de exclusividade do produto, mas mera expectativa de tal direito, sendo que, apenas após a concessão da patente, advirá o direito de seu titular impedir que terceiros produzam o produto patenteado, podendo, inclusive, pleitear indenização face à eventual exploração indevida, ex vi da exegese dos artigos 42 e 44 da Lei 9.279/96".[6]

Segundo o TJMG “O simples depósito do pedido de patente, dirigido ao INPI, não confere, por si só, ao requerente o direito de exclusividade do produto, mas mera expectativa de tal direito, sendo que, apenas após a concessão da patente, advirá o direito de seu titular impedir que terceiros produzam o produto patenteado, podendo, inclusive, pleitear indenização face à eventual exploração indevida, ex vi da exegese dos artigos 42 e 44 da Lei 9.279/96”.[7]

Segundo o TJRJ “O simples depósito do pedido de patente não confere ao requerente os direitos a ela inerentes. Este será submetido a um determinado procedimento para verificação do preenchimento dos requisitos legais, nos termos dos artigos 19 a 37 da Lei 9.279/96 e após tal avaliação será deferida ou não a concessão da patente. Tão somente após proferida tal decisão, o requerente passará a ostentar a posição de titular do direito, podendo impedir a utilização da invenção sem seu consentimento. De fato, o depósito gera expectativa de direito ao depositante, pois havendo exploração do invento mesmo antes da concessão do privilégio, mas após o depósito, caberá direito de indenização em relação a esse período. Repise-se, entretanto, que apenas haverá direito concreto à reparação pelos danos causados se obtida a patente requerida. Nos termos do artigo 333, I do Código de Processo Civil incumbe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito e ao réu a prova da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. No caso em análise o apelante apenas comprovou o depósito do pedido de privilégio de invenção e não a efetiva concessão da patente. A ré, ao contrário, comprova que o pedido do autor foi arquivado, com fulcro no artigo 33, parágrafo único da Lei 9.279/96 de forma definitiva, informação esta não rechaçada pelo autor que insiste em afirmar que a partir do pedido de registro da patente junto ao INPI possui o inventor o direito de exploração da invenção. Desta forma, não se desincumbindo o autor adequadamente do ônus que lhe cabia, deixando de comprovar a efetiva concessão da patente sobre a qual fundamenta seu direito, correta a sentença ao afastar a pretensão de ressarcimento”.[8]

Segundo o TJSP: “Marcas e patentes - Abstenção de uso de produto contrafeito - Causa de pedido fundada em registro de patente junto ao INPI – Mera expectativa de direito que não permite impedir terceiro de explorar produto similar – Decisão mantida - Recurso não provido.”[9] Em outro julgado do TJSP: Propriedade industrial. Modelo de utilidade. Pedido de registro junto ao INPI. Simples expectativa de direito, não ostentando a apelante a proteção oposta à ré. Precedentes deste Tribunal. Ausência, outrossim, do requisito da nova forma exigida pelos artigos 9º e 11 da Lei n. 9.279/96. Improcedência da demanda preservada. APELO IMPROVIDO.” [10] E ainda outro julgado do TJSP: "Marcas e Patentes - Cominatória e indenizatória - Causa de pedir fundada em pedido de registro de patente junto ao INPI - Existência de mera expectativa de direito - Impossibilidade de impedir terceiro de explorar produto similar - Eventual direito indenizatório que poderá ser postulado após a concessão da patente – Precedente da Câmara – Carência da ação reconhecida – Recurso improvido." [11]

O TJSP em outro julgado: “Placas à base de fósforo para aquisição de imagens radiográficas digitais na área industrial' - Sentença que determinou ao réu que se abstivesse de divulgar ser proprietário de patente ou de dizer que o uso dos equipamentos estaria restrito a si - Correção - Simples pedido de registro de modelo de utilidade que não autoriza o alarde, pelo requerente, de exclusividade no uso do objeto do pleito - Eventual direito indenizatório assegurado pelo artigo 44 da Lei n° 9.279/96 que poderá ser pretendido após a concessão efetiva da patente - Decisão de parcial procedência mantida - Recurso desprovido.” [12] Como bem ponderou o i. Magistrado de origem, o que existe, até o momento, é apenas a expectativa do direito de propriedade industrial (patente de invenção), a qual, se concedida, poderá ensejar a pretensão indenizatória ao apelante, correspondente à exploração realizada entre a data da publicação do pedido e da concessão da patente[13]Para o TJSP “O depósito do pedido de patente, por si só, não garante a exclusividade do conteúdo do referido modelo pleiteada pelo autor. Tal garantia somente se efetivará com a concessão da patente nos termos do art. 37, Lei nº 9.279/96. Afinal, caso assim não fosse, bastaria o simples depósito de pedido, ainda que desprovido de qualquer novidade, atividade inventiva ou aplicação industrial, para obstar o processo produtivo legitimamente criado por terceiros”.[14]

Carvalho de Mendonça [15]




[1] GNOCCHI, Alexandre. Propriedade Industrial: licenças & roialtes no Brasil. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1960. p. 120.
[2] CERQUEIRA, Gama. Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. v.II, p. 141.
[3] MENDONÇA, Carvalho. Tratado de Direito Comercial, vol V, 1ª parte, p.150, cf. JUNIOR, Benjamin do Carmo Braga, Pequeno Tratado prático das patentes de invenção no Brasil, Rio de Janeiro:Ed. Pocural 1936, p.14
[4] TFR AMS nº 88580/RJ de 27/03/1985 em RTFR 126/327-329 apud BASTOS, Aurélio Wander. Propriedade Industrial: política, jurisprudência, doutrina. São Paulo: Liber Juris, 1991. p. 46
[5] TJSP.Voto nº 1930 Agravo de Instrumento: 097.277.4/2 Comarca: Foro Regional da Lapa. Agte: Omnitek Tecnologia Ltda. Agdo: Samapre Indústria de Máquinas Ltda.
[6] TAMG, Apelação Cível nº 2.0000.00.306342-3/001, 1ª Câmara Cível, rel. Des. Silas Vieira, j. 16-05-2000
[7] TJMG Apelação Cível nº 306.342-3, Comarca de GUARANI, Apelante(s): GUDIM INDÚSTRIA METALÚRGICA LTDA., BOABEDIL DE OLIVEIRA ALVES - ME - GALVANIZADOS ALVES JÚNIOR e Apelado(s)(a)(s): OS MESMOS  Relator:  Des.(a) SILAS VIEIRA Data do Julgamento:  16/05/2000 Data da Publicação:  17/06/2000 
[8] APELACAO 0072732-35.2004.8.19.0001 -  Relator: DES. MARIO ASSIS GONCALVES - Julgamento: 10/11/2010 - TERCEIRA CAMARA CIVEL Data de Julgamento: 10/11/2010 http://www.tjrj.jus.br
[9] Apel. n. 9122179-12.2002.8.26.0000, TJSP, 7ª Câm. Dir. Priv., Relator Des. Luiz Antonio Costa, j. 03.02.10
[10] Apel. n. 0146765-19.2009.8.26.0100. TJSP, 3ª Câm. Dir. Priv., Relator Des. Donegá Morandini, j. 29.03.11
[11] Apel. n. 9153068-12.2003.8.26.0000, TJSP, 1ª Câm. Dir. Priv., Relator Des. Elliot Akel, j. 03.11.09).
[12] Apel. n. 920620-88.2003.8.26.0000, TJSP, 1ª Câm. Dir. Priv., Relator Des. De Santi Ribeiro, j. 02.12.08
[13] Apelação nº 0011969-63.2009.8.26.0077, da Comarca de Birigüi, Apelante: ISAÍAS JOSÉ JUSTINO JÚNIOR, Apelado GOBI REFRIGERAÇÃO INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA - ME. Relator: Grava Brasil, Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 14/02/2012
[14] Agravo de Instrumento. nº 0212477-91.2011.8.26.0000 TJSP, Mairiporã Rel. Des. Pereira Calças julgado em 08.11.11
[15] http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0310o.htm

segunda-feira, 28 de julho de 2014

A Convenção de Paris

A Convenção de Paris, criada em 1883, estabelece como princípios básicos o tratamento nacional, a prioridade unionista e a independência das patentes, os quais permitem a articulação de sistemas nacionais, independentemente dos respectivos níveis de proteção [1]. A proteção de inventos em feiras internacionais, bem como a ameaça de boicote dos EUA à uma feira de inventos na Europa[2], serviu como um fator adicional para criação da CUP, mas o maior motivador foi reduzir a espionagem industrial já em plena atividade. De fato os exibidores estrangeiros recusaram-se a participar da Exposição Internacional de Invenções em Viena (Weltausstellung 1873 Wien ) em 1873 por receio de ter suas invenções apropriadas por terceiros [3]. A lei austríaca de 1852 exigia que a invenção de estrangeiros fosse fabricada dentro do Império Austro-Húngaro em até um ano após a concessão da patente sob pena de se ter a patente anulada. O ministro norte americano em Viena referia-se a este critério como uma virtual proibição à proteção de inventos estrangeiros.[4] Um artigo na revista Scientific American de 23 de setembro de 1871 registra o sentimento de insegurança dos expositores norte americanos diante da possibilidade de terem suas criações copiadas livremente e conclui: “o resultado desta política errônea e destrutiva será facilmente previsível”. Uma lei temporária foi aprovada para proteção das invenções expostas na Exposição de Viena. O evento foi instalado num conjunto de edifícios que tinha por peça central a Rotunde (a "Rotunda"), um enorme edifício de planta circular instalado no parque de Prater.[5] A restrição a concessão de patentes a estrangeiros se verifica nas legislações como a francesa que somente em 1844 permitiu que todo o inventor com patente na França tivesse a possibilidade de solicitar uma patente para a mesma matéria no estrangeiro, possibilidade vetada até então. [6]

Leandro Malavota aponta um outro aspecto que marca o período de organização da CUP. As décadas de 1850 e 1860 haviam experimentado um reforçamento das teses liberais acompanhadas por um crescimento das economias capitalistas, o que engendrou uma forte crítica ao sistema de patentes como uma intervenção indevida do governo na economia, ainda que expoentes do sistema liberal como Adam Smith, Jean_Baptiste Say e John Stuart Mill mostrarem-se abertamente favoráveis ao sistema de patentes. Adam Smith escreve em sua obra Riqueza das Nações: “a propriedade que cada homem possui como fruto de seu trabalho, com é o fundamento de todas as outras propriedades, desta forma é a mais sagrada e inviolável propriedade”.[7] A crise configurada em meados dos 1870 provoca um refluxo das teses liberais, multiplicando-se os níveis de controle da economia: “pouco a pouco os segmentos industriais em dificuldades passam a demandar do Estado medidas de apoio e proteção contra a concorrência estrangeira” e neste sentido perde fôlego o movimento anti-patente. [8]Um primeiro Congresso Internacional das Patentes de Invenção foi realizado entre 4 e 8 de agosto de 1873 sob a direção de William Siemens de Londres, durante a Exposição Universal de Viena reunindo delegados de países como Austria, França, Hungria, Itália, Russia, Suécia, Suíça, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e outros países. A acolhida desta iniciativa contudo foi recebida com pouco entusiasmo, a França e Russia por exemplo recursaram-se inicialmente a participar. A delegação alemã conseguiu incluir entre os princípios aprovados pela reunião, de caráter informal, incluir o princípio das licenças compulsórias ainda que com a oposição dos representantes dos Estados Unidos. [9]

Entre 5 a 17 de setembro de 1878 foi promovida em Paris no Palais du Trocadéro uma segunda Conferência internacional , durante a Exposição universal de Paris, não oficial, sobre o tema. A exposição ficou aberta ao público entre maio e novembro de 1878 e reuniu cerca de 13 milhões de pessoas que pagaram ingressos garantindo o sucesso do evento.[10] Em seu discurso de abertura o ministro francês de agricultura destacou a necessidade de medidas concretas que uniformizassem as leis nacionais de patentes, a fim de minimizar as dificuldades dos inventores. A proteção por patentes seria uma alternativa para conter as restrições ao comércio de equipamentos e trabalhadores, substituindo tais mecanismos por uma forma mais efetiva na proteção de ativos intelectuais [11]. A Conferência de Paris de 1878 reuniu 484 delegados sendo 390 da França e representantes oficiais da Alemanha, Hungria, Itália, Luxemburgo, Noruega, Russia, Espanha, Suécia, Suíça e Estados Unidos. Segundo depoimentos obtidos junto a relatórios de algumas destas representações uma boa parte do tempo da Conferência foi ocupada com discussões de questões abstratas tais como justificações teóricas para a proteção da propriedade intelectual. Um relatório foi preparado pelo membro suíço Bodenheimer para criação do que era denominado l’Union Gènèrale pour la protection de la Propriété Industrielle.

O delegado francês Charles Jagerschmidt tentando conciliar tópicos de diversas legislações nacionais elaborou o Projet d´une Union nale pour La Protection de La Propriété Industrielle, encaminhado para diversos governos junto com um convite para uma conferência diplomática que viria a ser realizada em 4 de novembro de 1880 com a participação de 19 países (Argentina, Áustria-Hungria, Bélgica, Brasil, França, Inglaterra, Guatemala, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Rússia, El Salvador, Suécia, Noruega, Suíça, Turquia, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela)[12]. Com exceção da Bélgica, França, Itália e Inglaterra que foram representados pelos presidentes de seus respectivos escritórios de patentes, todos os demais eram membros da diplomacia, o que representava um contrastava com as reuniões de 1873 e 1878 que foram realizadas com participantes que atuavam diretamente na área de propriedade intelectual. A Alemanha não participou desta conferência porque receava que sua adesão à Convenção pudesse significar o compromisso de modificar sua legislação de patentes recém aprovada em 1877. O Brasil foi representado nesta Conferência por Júlio Constâncio de Villeneuve, que em 30 de dezembro de 1880 apresentou o seu relatório, publicado na Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros.[13] Júlio Constancio de Villeneuve, Conde de Villeneuve, filho de franceses, nasceu em Santa Teresa, Rio de Janeiro em 1834 e morreu em 1910. Aos dez anos seguiu com os pais para a França onde passou a maior parte de sua vida. Entrou na cerreira diplomática em 1853 como adido na Legação do Brasil em Paris. Com o falecimento de seu pai em 1863 herdou o Jornal do Comércio não assumindo, contudo a direção do mesmo.[14]

Como forma de torna o princípio da licença compulsória aceitável para todos os delegados foi incluída uma provisão que exigia que o titular tinha a obrigação de explorar sua patente em conformidade com as leis do país no qual introduzir os artigos patenteados. A Conferência de 1880 foi preparatória para a Convenção de Paris que viria a ser oficialmente criada na segunda reunião diplomática de 20 de março de 1883, cujo documento original foi assinado por 11 países: Bélgica, Brasil, Espanha, França, Guatemala, Itália, Holanda, Portugal, El Salvador, Sérvia, Suíça[15]. Os países portanto dispuseram de três anos para estudar o texto proposto na reunião de 1880. Os países representados na reunião de 1883 foram Argentina, Bélgica, Brasil, França, Guatemala, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal, Romênia, Rússia, Salvador, Sérvia, Espanha, Suécia e Noruega Suíça, Inglaterra, Estados Unidos e Uruguai porém apenas os 11 países citados assinaram o texto final, ou seja, apenas a França como grande nação industrializada da época assinara o acordo. Nos anos seguintes iriam aderir ao acordo Inglaterra (1844), Estados Unidos (1887), Japão (1899) e Alemanha (1903).[16]


Exposição de Viena 1873 [17]


[1] CHANG, Ha Joon. Intellectual Property Rights and Economic Development – Historical Lessons and Emerging Issues, Intellectual Property Rights Series No. 3, TWN (Thid Wold Network), 2001 http: //www.twnside.org.sg/title2/IPR/pdf/ipr03.pdf.
[2] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 236
[3] IDRIS, Kamil. Intellectual property, a power tool for economic growth. Genebra: WIPO, 2003, p. 15.
[4] DRAHOS, Peter; BRAITHWAITE, John. Information feudalism: who owns the knowledge economy ? The New Press: New York, 2002, p.34
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Exposi%C3%A7%C3%A3o_Universal_de_Viena
[6] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 31
[7] ROSEN, William. The most powerful idea in the world: a story of steam, industry and invention. Randon House, 2010, p. 1259/6539 (kindle edition)
[8] MALAVOTA,Leandro Miranda. A construção do sistema de patentes no Brasil: um olhar histórico, Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2011, p. 180
[9] C. Pieper and P. Schmid, Gesichte der internationalen Union für den Schutz des gewerblichen Eigentums sammt Konvention und Staatsverträgen (Berlin: Deutschen Vereins für den Schutz des gewerblischen Eigentums, 1884 cf. http://www.wipo.int/edocs/mdocs/arab/en/wipo_ip_uni_dub_04/wipo_ip_uni_dub_04_1.doc
[10] http://en.wikipedia.org/wiki/Exposition_Universelle_(1878)
[11] CHANG, Ha Joon. O mito do livre-comércio e o maus samaritanos: a história secreta do capitalismo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 128.
[12] Di BLASI, Gabriel. A propriedade Industrial: os sistemas de marcas, patentes, desenhos industriais e transferência de tecnologia, Rio de Janeiro: Ed. Forense: 2010, p. 48.
[13] Tomo 9, p.378 cf. MENDONÇA, Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Campinas:Ed. Russel, 2003, v.III, t.I, p.216
[14] Anais do Museu Histórico Nacional, Vol. XII, 1951, 1961, Ministério da Educação e Cultura, p.133 http://www.docvirt.com/WI/hotpages/hotpage.aspx?bib=MHN&pagfis=12718&pesq=&esrc=s&url=http://docvirt.no-ip.com/docreader.net
http://www.denisbarbosa.addr.com/paginas/historia/prefacio.htm
[15] http: //en.wikipedia.org/wiki/Paris_Convention_for_the_Protection_of_Industrial_Property.
[16] BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété industrielle, Fayard, 2001, p. 72
[17] http://en.wikipedia.org/wiki/Weltausstellung_1873_Wien

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Método de finanças industrial ?

Segundo Benjamin do Carmo: “a proibição de concessão de privilégio para essas invenções explica-se pelo perigo que constituiria para o Estado a outorga de monopólios financeiros a financistas que descobrissem sistemas mais ou menos eficazes de organização de finanças e de crédito público. Ficaria o Estado impedido de aplicar o que esses sistemas tivessem de aproveitável, para as suas finanças, ou exposto a despropriações sempre dispendiosas e dependentes de longos processos judiciais. Explica-se ainda, tal proibição, pelo perigo e inconvenientes que representaria para a sociedade e para a economia particular o exclusivo de tais combinações, refletindo desastrosamente nas fortunas particulares. Essa proibição, que é uma redundância da lei, veio-nos do direito francês. Realmente a primeira lei francesa admitia que, apesar de faltar caráter industrial a tais invenções, fossem elas suscetíveis de privilégio. Tão deplorável era o estado das finanças naquele país, ao tempo dessa lei, que a possibilidade de privilégio era um estímulo, para a descoberta de um sistema que lograsse o resultado de reestabelecê-las. Foi um dilúvio de utopias, aumentaram em tal número os inventores e tão amplas se apresentaram as invenções, que se tornou necessária uma nova lei, anulando as patentes concedidas e impedindo-as para o futuro, porque se chegara naquele país ao extremo de não se poder efetuar a menor combinação aritmética sem incorrer em delito de contrafação ou usurpação do privilégio. Entre nós a proibição é uma superfetação da lei. A exclusão de tais invenções, já se acha implícita no preceito legal que recusa o privilégio às invenções que não oferecem resultado prático industrial. Ora, os planos e combinações de finanças e créditos, como meras concepções abstratas, puramente teóricas, não se aplicam ás construções materiais, não tem caráter industrial, não podem apresentar utilidade ou resultado prático industrial, logo não seria possível o privilégio[1].
Pouillet observa que a lei francesa de 1844 da mesma forma que vetava a patenteabilidade de medicamentos também vetava os planos de finanças: “Podemos questionar se esta disposição é necessária; a lei de fato protege as invenções industriais. Um plano de finanças pode ser considerado como um objeto industrial ? Não será ao contrário uma matéria de economia política ? Seja como for, esta disposição [que veda patentes para planos de finanças] existe, devemos mencioná-la enquanto contestemos seu pouco interesse”. A primeira lei de patentes em 1791 foi marcada por uma situação econômica considerada deplorável por Pouillet e em que logo surgiam ideias revolucionárias para restabelecer a ordem econômica, “o  que seguiu foi um dilúvio de utopias, contra as quais o legislador, em todo caso, quis tomar suas precauções”. Em 1792 através de uma proposição de Baignoux a Assembleia Francesa aboliu as patentes de planos de finanças,[2] segundo Picard como um exemplo a ser seguido para evitar a proliferação de tais esquemas especulativos.


Edmond Picard [3]


[1] JUNIOR, Benjamin do Carmo Braga, Pequeno Tratado prático das patentes de invenção no Brasil, Rio de Janeiro:Ed. Pocural 1936, p.28; PICARD, Edmond; OLIN, Xavier, Traité des brevets d'invention et de la contrefaçon industrielle, précédé d'une théorie sur les inventions industrielles, 1869, p. 177
[2] POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon. Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.112
[3] http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edmond_picard.jpghttp://commons.wikimedia.org/wiki/File:Edmond_picard.jpg